Márcio Fernandes

A espiritualidade inaciana é, antes de tudo, a espiritualidade do Encontro. Por ser uma espiritualidade cristã, ela conduz o coração humano a um encontro pessoal e amoroso com Jesus Cristo, o Deus vivo que se revela na ternura e na proximidade. É nesse encontro transformador que o exercitante se descobre amado, chamado e enviado. Dessa experiência brota também um novo olhar sobre a própria vida: o encontro consigo mesmo, com os irmãos e irmãs, com a missão e com o chamado ao Reino de Deus. Fruto desse caminhar com Cristo, os Exercícios Espirituais tornam possível ao coração humano “vencer a si mesmo e ordenar a própria vida” (EE 21), para que tudo em sua existência seja salvação, serviço e entrega ao Reino — um Reino que se faz presente de modo encarnado e libertador.
Um encontro com Jesus
O homem e a mulher, em cada tempo e lugar, carregam em si um anseio profundo — um clamor que, muitas vezes, nem sabem nomear. É a sede do Deus da Vida: “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 41/42). Desde o princípio, o coração humano foi moldado para buscar o seu Criador. E Mesmo sem perceber, ele deseja mergulhar na fonte que sacia toda sede, na água viva que brota do Coração de Cristo. Jean Laplace (1977) recorda que a sede do homem é plenamente realizada em Jesus. No Nazareno, o ser humano encontra Deus. E padre José Laércio de Lima, SJ, acrescenta com ternura pastoral: “Tudo começa com um encontro, que nos interpela e nos impulsiona a buscar o sentido da vida e da existência. Jesus, o Filho de Deus” (LIMA, 2024, p. 11). Ele afirma também que “O cristianismo é fundado no encontro “olho no olho” com aquele que é o sentido da nossa vida, o Cristo encarnado” (LIMA, 2024, p.68). Assim também, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola nos convidam e proporcionam essa experiência do encontro íntimo com Jesus. São um caminho de peregrinação interior, em que, passo a passo, seguimos a Jesus. Em cada meditação, em cada contemplação, o Espírito Santo fala suavemente ao coração do exercitante, até que ele se descubra, enfim, encontrado, abraçado e amado pelo Senhor.
Um encontro consigo mesmo
O encontro com Cristo é sempre um convite ao amor. Quem se deixa tocar por Ele descobre, pouco a pouco, que caminhar em Sua direção é também caminhar ao encontro de si mesmo com amor. Nos Exercícios Espirituais, esse caminho se torna um itinerário de autoconhecimento e graça. Como recorda Jean La Place: “Nele, tudo é dado, entretanto, nada ainda está feito.” (LAPLACE, 1977, p. 90). A oração, nesse contexto, é anseio e encontro. Ela se torna um espaço sagrado, em que o coração se reconstrói diante do olhar amoroso de Deus. Cada silêncio e cada moção interior são passos nesse processo de reconstrução e recriação da vida do exercitante. Na primeira semana dos Exercícios, o exercitante é convidado a mergulhar nas profundezas de si mesmo. Ali, o Espírito o conduz a reconhecer suas limitações, suas lutas internas e o peso do pecado — sempre à luz do Deus da Misericórdia, que não condena, mas ama, perdoa e restaura. O exercitante encontra o mesmo olhar divino do Mestre que acolheu a mulher adúltera, que se deteve sobre Zaqueu e que abraçou o filho pródigo ao seu retorno. Esse é o olhar que Santo Inácio de Loyola deseja que cada exercitante encontre logo nas primeiras etapas da oração, seguindo sua experiência orante. Os Exercícios Espirituais, em sua totalidade, são uma escola contínua de encontro: com Deus, com o próximo e, de modo profundo e transformador, consigo mesmo.
Um encontro com a missão e o chamado do Reino
O encontro com Jesus acontece no dinamismo vivo dos Exercícios Espirituais. Nele, o exercitante aprende a escutar os movimentos do Espírito e a discernir os chamados que ecoam no silêncio do coração. É nesse diálogo interior que ele vai sendo amorosamente conduzido a ouvir a voz do Reino que o chama a revela-lo: como afirma Jean La Place (1977, p. 90) “Resta a ti, tendo-me reconhecido, descobrir-me e revelar-me”. E, como recorda o padre José Laércio: “Dessa experiência de amizade com Jesus, vamos construindo nosso itinerário como peregrinos, ao lado d’Ele.” (LIMA, p. 35). Este caminhar espiritual com o Cristo, conduz o exercitante à escolha da bandeira de Senhor e à escuta atenta de seu chamado que diz com ternura: “Vem e segue-me.” (Mt 19,21). Quem verdadeiramente trilha este caminho espiritual descobre-se chamado a ser sinal vivo da ação de Deus em sua realidade, encontrando o tesouro escondido: “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo; o homem que o encontra o esconde de novo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.” (Mt 13,44). Assim, movido por essa descoberta, deseja que a luz do Senhor brilhe através dele: “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de um vaso; mas sim sobre o candeeiro, e assim ela ilumina a todos os que estão na casa.” (Mt 5,15). Isso o move em direção ao serviço do reino que está presente “O Reino de Deus está entre vós.” (Lc 17,20-21), sobretudo no meio dos pequenos e esquecidos.
Por isso, a Espiritualidade Inaciana é um meio de encontrar Jesus e a partir dele encontrar-se consigo mesmo e com a missão do Reino de Deus. Não há como fazer bem os Exercícios Espirituais e viver a inércia na vida, ou se calar diante das injustiças, ou seja, permanecer o mesmo. É preciso ser orante e atuante em um mundo que tantas vezes se deixa seduzir pelo brilho vazio, pelo egoísmo e pela superficialidade de um pensamento cada vez mais raso sobre Deus. A espiritualidade inaciana nos mostra, então, que encontrar Cristo é deixar-se ser e enviar por Ele. Pois, em última instância, quem encontra o Amor verdadeiro torna-se missão viva do próprio Amor.
Referências
BÍBLIA. A Bíblia Sagrada. Tradução oficial da CNBB. São Paulo: Edições CNBB, 2018.
LIMA, José Laércio de. A Espiritualidade na Iniciação à Vida Cristã. Aparecida/SP: Santuário, 2024.
LAPLACE, Jean. A oração: anseio e encontro. Trad. M. Cecília de M. Dupral. São Paulo: Paulinas, 1977. (Coleção Crer e Compreender).
LOYOLA, Inácio de. Exercícios espirituais. São Paulo: Verbo Encarnado, 2023.