Por ocasião da Missa de Sétimo Dia de seu falecimento
É muito difícil assumir a tarefa de escrever este texto em homenagem ao Padre Onofre por ocasião da Missa de Sétimo Dia de seu falecimento. Difícil emocionalmente, porque não é fácil falar da perda tão recente de alguém que amamos, fazê-lo viver em nossa memória enquanto lidamos com sua ausência física, que nos deixa perdidos, em dor, sem palavras. As lágrimas correm fácil, a voz embarga, porque o corpo não quer ordenar-se racionalmente neste momento, por sentir demais. Também é difícil falar pois tenho receio de, com palavras, trair a verdade daquilo que, junto ao Padre Onofre, não foram discursos e ensinamentos externos, mas algo vivido interiormente e silentemente no coração de cada um, na relação com este homem tão límpido e humano. No entanto, faço um esforço para vencer o receio da fala e torná-la aqui a oferta partilhada na mesa, neste momento em que fazemos a memória coletiva de nosso grande amigo Padre Onofre, com quem aprendemos tanto.
Nestes quase quinze meses de sua estadia entre nós, Padre Onofre nos ensinou muitas coisas, mas, se eu puder sintetizar de forma simples, em um único ensinamento, tudo o que nos foi transmitido por ele, eu diria que tudo se resume a isto: que a vida cristã verdadeira consiste não em devoções estéreis ou em uma espiritualidade etérea, nas alturas, sem pé no chão, mas sim em ações concretas e simples de cuidado com o outro. Em suas homilias ele falava sempre desta necessidade de cuidarmos do outro. E suas palavras não eram vazias, pois estavam sustentadas por ações que nos mostravam exatamente o que isto quer dizer na prática. Uma das formas de Padre Onofre nos mostrar esta espiritualidade do cuidado era o modo como trabalhava, o zelo absoluto que colocava em cada coisa. Das lindas velas que ele produzia para as missas e para o Lucernário aos cartazes das atividades, dos programas para os recitais aos folhetos e materiais para os seus retiros e outras situações. São coisas que, num mundo de gestos apressados, calculados, medidos pelo lucro e pela praticidade, parecem inúteis, mas que na verdade portam a dignidade de pura oferenda, oferenda que dignifica o outro, que cuida do outro e diz a ele: você merece o meu melhor, que eu agora doo a você, “para que tenha vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Mesmo se numa sessão do Cine Debate – uma das ações que ele realizava no Rosário – houvesse apenas duas ou três pessoas, ele distribuía o folheto produzido com enorme capricho, preparado com antecedência, contendo a sinopse do filme, um comentário crítico e uma imagem. Não importava se poucos leriam, ou mesmo ninguém, pois estava claro que Padre Onofre fazia tudo como oferenda a nós e a Deus, sem quantificar resultados. E assim nas demais atividades. Sua perseverança e dinamismo incansáveis vinham disto, de que tudo o que fazia era oferenda. Se olharmos para esta Igreja, ainda veremos nela muitos sinais desta espiritualidade concreta do cuidado do outro que Padre Onofre exerceu entre nós. Ela está nestas velas do Advento e no Círio Pascal feitos por ele, no Presépio, nos cartazes que anunciam toda a programação cultural da Igreja para o ano de 2024. São pequenos artefatos nos quais Padre Onofre materializou o seu amor por nós e por Deus e que nos mostram que trabalhar de forma dedicada, com zelo e em espírito de doação é uma maneira profunda e verdadeira, não romantizada e não capitalizada, de cuidar do outro. Sim, Padre Onofre, você nos mostrou de forma concreta e cotidiana que “Deus está nos detalhes” (frase atribuída ao arquiteto Ludwig Mies van der Rohe).
Padre Onofre também nos ensinou que cuidar do outro é antes de tudo capacidade de abertura. Abrir-se ao outro, estar desarmado, não temer o afeto, não temer ser afetado e não temer afetar, não eliminar a diferença, não encerrar o outro nos lugares estreitos do preconceito, das barreiras sociais, das diferenças de raça, credo e sexualidade, mas enxergar em cada um a sua luz, as suas capacidades, e valorizá-las, enfim, saber olhar nos olhos do humano. Padre Onofre nos ensinou a não termos medo do outro, da transformação e do deslocamento que ele pode nos causar. Este destemor do outro, esta capacidade de ser frontal e límpido que Padre Onofre tinha só pode acontecer em alguém que entendeu com muita nitidez a si próprio, as suas fraquezas, as suas próprias forças, a sua singularidade e as acolheu irrestritamente. Só assim mesmo, plenamente reconciliado consigo, e com sua condição de alguém “chamado e habitado por Deus” (palavras de Padre Onofre), para conseguir estar diante do outro com tanta abertura e destemor. “Amarás a teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39): sim, Padre Onofre, você entendeu muito bem este mandamento, sabendo que o amor ao próximo depende do princípio e fundamento de reconhecermos o amor de Deus por nós mesmos. Por isto você nos ensinou a sentirmos este amor. Todos os que estão aqui estão carregam na memória um olhar límpido, um abraço apertado do Padre Onofre, gestos que nos diziam de forma direta: Seja! Seja quem você é! Não tema a você mesmo. Vá mais fundo em direção à preciosidade que é você, enquanto mistério do amor de Deus. E este olhar, este abraço, que nos fez mais inteiros e mais capazes de amar, porque somos mais amados, ficará para sempre em nós, com a nitidez do agora.
Que este olhar, este abraço, esta palavra, este silêncio, este folheto, este cartaz, esta vela, esta arte, esta luz com que você, Padre Onofre, nos presenteou durante o seu tempo entre nós nos ampliem como pessoas e como Igreja: uma Igreja do cuidado, da acolhida, da arte e do sensível. Uma Igreja que não se refugia em formas vazias que nos distanciam do humano e do divino, mas uma Igreja que, tornando-nos vivos e sensíveis e sem medo de amar, nos convida a olharmo-nos nos olhos e a cuidarmos uns dos outros de diferentes formas. Foi para isso que Padre Onofre centralizou o altar na Igreja do Rosário: para que, estando mais perto do Amor, percamos o medo de amar e de sermos amados.
Na véspera deste Natal, ouvi um canto natalino sérvio, da liturgia ortodoxa, que, falando da adoração dos pastores e dos reis magos diante do Menino Jesus, dizia: “Foi pela estrela que eles aprenderam a te adorar, ó Sol da Justiça”. Padre Onofre foi exatamente essa estrela, que brilhou por um instante entre nós para aprendermos a adorar de forma viva o Sol da Justiça, que é Jesus. Brilhe agora eternamente, estrela amiga, Padre Onofre querido, iluminando, por teu exemplo de amor cristão autêntico, o tempo que resta de nossas vidas, apontando-nos a direção para Cristo, luz verdadeira. Obrigada por tudo, amigo. Agora não conseguirei mais acender uma vela sem me lembrar de você.