“Ele é a seta solta no voo; quanto ao alvo, só o arqueiro o conhece,
segundo a metáfora que define o providencialismo.”
(Tellechea Idigoras, SJ)
Parafraseando Paulinho da Viola – com a estrofe que dá título a este texto – foi o rio Cardoner que passou na vida de Iñigo, quando em Manresa, e mudou a vida não só dele, mas de muitas outras pessoas desde então.
Iñigo peregrinava e, após passar por Montserrat, toma a decisão de ir a Manresa. Era para ser por um curto período, mas ficou lá por quase um ano. Tempo de experiências incríveis, com ânimo e generosidade.
Mantinha sua caminhada solitária pela região, mas com a mente repleta. Ora entendia suas decisões, ora colocava dúvidas se era este o caminho a fazer. Vou sozinho? Vou com alguém? Isto que sinto é medo? Despir-me por inteiro ou parcialmente? Onde estarei ou chegarei quando estiver com a idade já avançada? Que terei feito? Para onde irei? Ele lutava como um louco. Como diziam, “chamados que só os santos escutam e atendem”.
Intensas orações, missas cotidianas, asceses constantes. Queria cessar todo aquele volume de pensamentos e dores – não para ficar livre, sem objetivo algum, mas alcançar as graças que Nosso Senhor daria a ele.
Manresa o libertou de muitos dos seus escrúpulos, amarradas, medos, enfim, de seus nós. Mas como?
A beira da estrada, um rio
Iñigo caminhava quase que diariamente cerca de um quilômetro e meio para chegar até uma igrejinha fora de Manresa. Ia cabisbaixo, pensativo com aquelas perguntas que constantemente se fazia. Por ali passava um rio, não tão caudaloso, mas que foi significativo na peregrinação deste jovem obstinado a conhecer-se por dentro.
Mas, um dia esse caminho pelo rio mudou o curso, não de curso, mas o curso de Iñigo. Tellechea, no livro “Sozinho e a pé”, descreve com vivacidade esse momento – claro, à luz do Relato do Peregrino. Aproveitemos, também nós, dessa cena, para tirar proveito e entendimento.
“e caminhando assim e suas devoções, sentou-se um pouco com o rosto voltado para o rio que corria muito fundo. E estando ali sentado, começaram a abrir-se os olhos do seu entendimento; não que visse alguma visão, mas entendia e conhecia muitas coisas, tanto em assuntos espirituais como nos da fé e letras; e isto com uma ilustração tão grande que lhe pareciam todas coisas novas. E não se podem declarar os pormenores que entendeu, naquele momento, a não ser que recebeu grande claridade no entendimento; de maneira que, em todo o decurso da sua vida, até passados sessenta e dois anos, recolhendo quantas ajudas recebeu de Deus e todas as coisas que já soube, ainda que se ajuntem todas numa só, não parece ter alcançado tanto como naquela única vez. E isto foi num tal modo de ficar com o entendimento ilustrado, que lhe parecia como se fosse outro homem e tivesse outra inteligência e não a que tinha antes.”
E meu coração se deixou levar…
O Rio Cardoner continua lá. Mas a vida de Iñigo não foi mais a mesma. O horizonte que o rio apontou na vida dele não é o de somente desembocar no Mediterrâneo, nem tampouco a beleza existente nas suas fontes. Algo aconteceu lá na “beirada” do arroio. E os efeitos são a autenticação de que houve uma experiência mística.
Segundo Pierre Emonet, “a intuição do Cardoner agirá a partir de então como o princípio e fundamento de todas as suas condutas”. Lucidez; Unificação; Descentramento; Perdurabilidade, são alguns dos efeitos visíveis, segundo Javier Melloni, SJ. Este autor jesuíta ainda pontua que: Inácio “deixa os exageros, pensa irradiar o que leva dentro, porque ele entende que há pessoas buscando o que ele já achou, mesmo que não saibam”.
Iñigo agora é Inácio de Loyola: um homem novo, um olhar novo, um “mundo” novo que se desponta. E assim se deu toda a peregrinação daí para frente, o rio passou pela sua vida e seu coração se deixou levar por aquilo que Senhor lhe dava.
Encontrar seu rio
Qual é o rio que passa em sua vida? Caudaloso? Leva você a perceber os bens vindos do Senhor? Todos temos um rio em nossas vidas, em que olhamos atentos os seus movimentos a fim de encontrarmos o que vem de Deus e que retorna para Ele.
A chave do carisma inaciano, na lucidez do Cardoner, desponta: “ser contemplativo na ação”. Isto é tão especial que podemos intensificar nossa experiência espiritual e nos darmos conta da revelação: “que todo está contenido en Dios y que Dios está presente en todas las cosas”.