Wêdja Domingos de Melo
A oração deve ser um diálogo sincero com Deus. Com Ele devemos tratar sobre a vida concreta, ir desenvolvendo um relacionamento pessoal por meio da oração. Rezar é simples. William Barry afirmou que “a oração é simplesmente um relacionamento consciente” (Barry, 2005, p. 15). No entanto, como em qualquer tipo de relacionamento, a oração exigirá que a ela se dedique tempo, que se desenvolva a confiança, permitir-se conhecer e ser conhecido/a, abrir-se à intimidade. Costumamos nos aproximar e buscar a intimidade por quem nos sentimos atraídos e nutrimos admiração. Não pode ser diferente com Deus. A oração precisa ser uma ação motivada pela atração e admiração que se sente pelo Senhor. Exercitada, produzirá frutos. Santo Inácio, a partir da sua experiência com Deus por meio da oração, organizou os chamados Exercícios Espirituais (EE).

Para Santo Inácio, “assim como passear, caminhar e correr são Exercícios corporais, chamam-se de Exercícios espirituais diversos modos de a pessoa se preparar e dispor para tirar de si todas as afeições desordenadas. E, depois de tirá-las, buscar e encontrar a vontade divina na disposição de sua vida para sua salvação” (EE 1). Da mesma maneira como os exercícios físicos são imprescindíveis para a saúde corporal, os exercícios espirituais garantem o desenvolvimento espiritual, o amadurecimento humano, que favorecem o bom relacionamento interpessoal, tão importante na sociedade hodierna.
A pedagogia espiritual dos Exercícios Espirituais visa ajudar o exercitante a progredir em sua liberdade interior, tendo em vista “procurar e encontrar a vontade de Deus na disposição de sua vida” (EE 1). Nesse sentido, afirma Spencer (2014): desde a abertura dos EE, Santo Inácio propõe uma pedagogia participativa, excluindo-se a ideia de aquisição passiva de um saber: “De fato, não é o muito saber que satisfaz a alma e a sacia” (EE 2) (Spencer Filho, 2014, p. 25).
A Espiritualidade Inaciana, legado de Deus por meio de santo Inácio, possui algo muito peculiar: ensina a pessoa a enxergar os meios para “encontrar Deus em tudo”, ou seja, que nada pode ser considerado fora do alcance da vida espiritual, mas tudo pode e deve ser aberto para Deus, o que conduz o ser humano ao estado de liberdade interior. Isso é ser em essência. A esse respeito, afirmou James Martin:
O caminho de Inácio nos leva ao encontro da liberdade: a liberdade de nos tornarmos a pessoa que somos destinados a ser. Ele nos ensina a amar e a aceitar o amor. E nos torna capazes de tomar boas decisões, desfrutar da beleza da criação e a participar do mistério do amor de Deus (Martin, 2012, p. 7).
Compreende-se, então, que não é necessário afastar-se das atividades pessoais ou profissionais para encontrar Deus, mas ir tomando consciência da realidade que nos circunda e nela atuar com generosidade e responsabilidade, de maneira a contribuir com o bem de todas as pessoas e de toda a Criação. Há muito o que fazer. É necessário transformar-se. Existem pessoas a amar. Por isso, é considerada uma espiritualidade encarnada.
Wêdja Domingos de Melo é mestra em Ciências da Religião, pela UNICAP, graduada em Pedagogia, pela UPE, com Especialização em gestão educacional em ambiente escolar e não escolar, pela FAFIRE. Também é orientadora dos Exercícios Espirituais e acompanhante espiritual, membro do Conselho Editorial da Revista Itaici, coordenadora da Especialização em Espiritualidade Cristã e Orientação Espiritual (ECOE), pela FAJE. Atua ainda como coordenadora do Núcleo Inaciano Recife.
Referências
Barry, William A. Deus e você: a oração como relacionamento pessoal. Tradução de Barbara Theoto Lambert. 8 ed. São Paulo: Loyola, 2005.
Loyola, Inácio de. Escritos de Santo Inácio: Exercícios Espirituais. 7 ed. Tradução de R. Paiva, SJ. São Paulo: Loyola, 2013.
Martin, James. A sabedoria dos jesuítas para (quase) tudo: espiritualidade para a vida cotidiana. Tradução de Joel Macedo. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.
Spencer Filho, Custódio. Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola: um manual de estudo. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014.