Pe. Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
Ao longo da história dos Exercícios Espirituais (EE.EE) vários jesuítas apresentaram interpretações sobre a dinâmica e os fundamentos dos EE.EE e da Espiritualidade Inaciana. O importante destas leituras é atualizar e contextualizar os EE.EE, sabendo que esses são sempre feitos dentro de um contexto de vida e sociedade, de Igreja e história, que faz com que a interpretação da oração seja encarnada em realidades concretas, em lugares, tempos e pessoa.
No século 20, entre tantos intérpretes, eu quero destacar brevemente dois jesuítas que influenciaram muito a forma que compreendemos os Exercícios Espirituais: Karl Rahner e Hans Urs Von Balthasar. Não apresentarei a dinâmica dos EE.EE, mas uma compreensão de fundo, fundamental, da vida espiritual, do ponto de vista teológico, que é o terreno, o horizonte, de interpretação dos Exercícios.
O primeiro é Karl Rahner (1904-1984) com sua reflexão sobre o magnetismo do mistério humano e divino presente nos EE.EE. Com uma profunda preocupação pastoral, Rahner sempre se preocupou em ajudar aos seus contemporâneos a reconhecerem a experiência interior da fé. Vivendo em uma cultura onde a crença religiosa estava em crise, onde as linguagens da oração e do ensinamento cristão soavam vazias para a maioria das pessoas, Rahner buscou interpretar a existência humana como um teatro da graça de Deus. A estratégia de Rahner é apresentar uma mistagogia, um caminho em direção ao mistério de Deus em nossas vidas.
Para isso, uma catequese do coração é necessária: tudo aquilo que fazemos é expressão de um sim ou um não ao amor, gostava de afirmar. Estamos sempre orientando nossa própria existência em uma direção que é para nós um princípio fundamental. Em alguns momentos, como em grandes adversidades, somos como que convocados a irmos além de nós mesmos. Em outros momentos, como em atos de amor ao próximo, fazemos a experiência implícita de Deus. Mas, em todos os momentos, Rahner está convencido da existência de um magnetismo divino (a graça) operante em cada coração, que atrai o homem em direção à verdade e ao amor. Em termos teológicos, é a vontade universal de Deus de doar a salvação a todos, é a autocomunicação do mistério e do amor divinos. Nas palavras de Rahner: “meu objetivo é ser um teólogo que sustenta que Deus é a realidade mais importante, Ele é misteriosamente presente a nós e nos guia em direção à vida e ao amor. O ápice deste doar-se divino acontece quando o mistério de Deus nos vem ao encontro na pessoa de Jesus Cristo”.
Este é o itinerário proposto por Rahner, ele começa nos convidando a estarmos atentos ao mistério da presença de Deus em nossas vidas para, nos abrindo a este mistério, colhermos a presença criadora e gratuita da graça de Deus. Essa fundamentação ele aprende com Santo Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais, que é, para ele, um caminho de busca e realização humana da vontade de Deus em nossas vidas.
O segundo intérprete dos EE.EE é Hans Urs Von Balthasar (1905-1988), o pensador da dramática da beleza divina. Diferente de pensadores que partem de baixo, ou seja, da busca humana pelo divino, Balthasar destaca primeiramente o amor de Deus que se fez corpo em Jesus Cristo. Por que dar tanto espaço para as nossas aspirações quando Deus deseja salvar-nos e o mostrou em Cristo? Para Balthasar, o ser humano está constantemente interpelado pelo divino.
Primeiramente, o pensamento de Balthasar aponta para a capacidade de maravilhar-se e reconhecer o amor de Deus em Cristo. Para ele, são centrais na experiência de fé dois momentos: o reconhecimento e a resposta. Reconhecimento do drama da nossa liberdade no esplendor da chamada divina. Resposta à experiência estética que fazemos da beleza de Deus, que é encontrada apenas quando o amor é percebido como o centro. Este momento de epifania e plenitude, quando a grandeza de Deus é sentida como mistério, Balthasar chama de glória. É um momento que exige de nós disponibilidade e reverência, mas é também um momento de profunda liberdade, ou melhor, da interação entre duas liberdades, a nossa e a de Deus.
Balthasar propõe uma lógica diferente, na verdade uma estética teológica de abertura ao mistério que resplandece no rosto de Cristo. É um abrir-se à experiência do absoluto ser outro de Cristo, enquanto irradiar-se da glória de Deus. O drama da beleza marca a primeira fase do pensamento de Balthasar, o drama da liberdade, a segunda fase. Para Balthasar, a fé é uma aventura, é um participar da obra de Deus na história: a fé não é nunca apenas uma fonte de alegria estética, ela torna-se um campo de batalha entre o meu coração não convertido e aquilo que Cristo espera de mim. A fé é movimento. Como em uma obra de teatro, a existência humana é uma obra dramática onde Deus é o artífice da história e a fé é uma resposta e um movimento nesta obra. Por isso, a fé é luta e decisão, e tem seus altos e baixos. Mas, para Balthasar, a glória de Deus é maior do que qualquer possível resposta minha. E a glória de Deus resplandece no rosto do Cristo. Também aqui temos uma fundamentação que brota dos EE.EE e que busca realizar a vida humana em Deus, na concreteza das nossas vidas.
Espero que esta breve apresentação de dois grandes intérpretes dos Exercícios Espirituais nos incite a saber e estudar mais sobre a Espiritualidade Inaciana. Como tentei apresentar, os EE.EE são um caminho de busca da vontade de Deus em nossas vidas concretas. Alguns intérpretes dos EE.EE nos ajudam a aprofundar nossas buscas e compreendê-las num todo maior da existência humana no mundo de hoje, em nosso tempo.