"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

Recém-lançada Cartilha “Igreja Sinodal em Missão” conta com colaboração de jesuíta, Diretor do Centro Cultural de Brasília

No dia 24 de abril, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), a Caritas Brasileira e o Centro Cultural de Brasília (CCB), obra da Companhia de Jesus, vinculada à Rede Servir, lançaram a cartilha “Uma Igreja Sinodal em Missão”.
Esse subsídio quer ser auxílio às pessoas e às comunidades para reflexões acerca do Relatório Síntese da 1ª Sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade e, com isso, restaurar um movimento de pensar comunitário dentro da Igreja do Brasil.
O documento foi criado em formato on-line e pode ser baixado gratuitamente – no final do artigo você encontra link para download.
Pe. Miguel Filho, SJ, Diretor do CCB, conversou conosco sobre esse tema.

Rede Servir – Qual é a finalidade da Cartilha “Igreja Sinodal em Missão”?

Pe. Miguel Filho, SJ – Desde o início do Sínodo para a Sinodalidade, a proposta de Papa Francisco não é chegar a um documento simplesmente; ele quer instaurar dinâmica, movimento nas comunidades – algo que a gente já vive na Igreja do Brasil, que foi tão vivo logo após o Concílio Vaticano II e que depois foi sendo esquecido. E é esse o movimento que queremos com a publicação desta cartilha, mostrar para mais pessoas a função e a missão do Sínodo, que não é um produto final e acabado.

Porque, uma grande preocupação é que as pessoas falam do Sínodo sem o conhecer. Tem os que defendem o Sínodo do Papa Francisco sem conhecer e tem os que atacam o Sínodo sem o conhecer. Queremos que as pessoas o conheçam de fato.

RS – Como a cartilha foi concebida?

MF – Ainda na Assembleia Geral, em Roma, ano passado (2023), quando saiu o Relatório de Síntese, a Sônia (Gomes Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil) e a Cristina (dos Anjos, Diretora Executiva Nacional), da delegação brasileira, e eu começamos a conversar sobre a necessidade de fazer esse material chegar às comunidades, aos grupos, aos movimentos e que, talvez, tivéssemos de o “traduzir” numa linguagem mais simples, mais acessível ou menos teológica – não que o relatório seja de uma leitura difícil, não é! Mas, de fato, são muitos assuntos, é um relatório muito cheio, mas a dinâmica do Sínodo pedia isso.

Já de volta ao Brasil, o CNLB, por meio da Sônia, nos convidou a realizar o que havíamos pensado. Na elaboração do material contamos também com a colaboração de Marilza (Schuina), da Assessoria Permanente do CNLB, e de Neuza (Mafra), da Cáritas Brasileira.

Nós pegamos capítulo a capítulo do relatório e demos um formato mais dinâmico, para que esse conteúdo fosse trabalhado em grupos pequenos ou em comunidades, para se cumprir exatamente aquilo que o Sínodo propõe, que é a participação de todos, de todas.

Pensamos em perguntas que ajudam na interação e que facilitam com que leigas e leigos assumam a frente desse processo; sem a dependência de um padre, do pároco ou dos bispos pedirem ou estarem junto. Também por isso, optamos pela cartilha ser gratuita e disponível para download.

Por isso, baixe a cartilha! Vai conversar! Leia, reze! Porque é um instrumento para rezar, refletir, discutir, aprofundar…

RS – Desde o início deste Sínodo, em 2021, percebe-se, na metodologia, o modo de proceder inaciano. Qual o papel da nossa espiritualidade nesses processos?

MF – Em nenhum momento o Papa Francisco fala assim: esse método é um método inaciano. Ele não fala de Santo Inácio. Em nenhum momento a gente também falava sobre isso, por quê? Porque, na verdade, o que interessa é o método.

Durante a assembleia, quanto estávamos vivenciando aquela dinâmica da conversação espiritual, eu pude perceber a admiração dos bispos, de alguns que não conheciam muito ou que não tinham muita prática. Muitos leigos e religiosas também não conheciam esse método. E não havia a necessidade de dizer que foi Santo Inácio quem o fez.

Mas a gente percebe que esse modo inaciano é um modo acessível a todos os movimentos, todas as pessoas, todos os grupos. E é um modo de viver, de seguir Jesus Cristo. O discernimento, a conversação espiritual, o modo de orar, o exame cotidiano, o silêncio… tudo isso que Santo Inácio propõe, a tradição inaciana, bebe das fontes da Igreja.

Um ponto curioso, durante a experiência do Sínodo, foi perceber quantos inacianos lá estavam. Leigos, muitos da CVX, religiosas de congregações de espiritualidade inaciana… E o que pude perceber é que nós, jesuítas, não estamos em todos os lugares, mas a Espiritualidade Inaciana vai se espalhando por onde passa. Aí, eu percebo que a nossa espiritualidade é um serviço à Igreja, sem dúvida nenhuma.

Rede Servir – Por falar em serviço, como foi o chamado para o senhor ser perito do Sínodo?  

Miguel Filho – Foi totalmente uma surpresa! Houve, em Brasília, a etapa continental do cone sul, em março do ano passado. E, por eu morar em Brasília, fui chamado para apoiar a realização dessa etapa na questão da conversação espiritual. Já havia um jesuíta do Paraguai que estava vindo, mas queriam alguém de fala portuguesa.

Passado isso, pensei que já tinha dado minha contribuição quando, em julho, ligaram da Secretaria do Sínodo me convidando para ir a Roma. Disse que precisava conversar com meu provincial. Quando eu liguei para o Smyda (Pe. Mieczyslaw Smyda, SJ, Provincial dos Jesuítas do Brasil), na mesma hora ele disse: “Miguel, isso é um convite da Igreja. Estamos na Companhia (de Jesus) de fato para servir à Igreja!”

E, durante a Assembleia (Geral do Sínodo), percebi que estou aqui para servir à Igreja nesse momento em que ela precisa tanto pensar sobre si mesma. Mas pensar em si mesma para o mundo, retomando aquele espírito do Concílio Vaticano II.

RS – Como as obras e movimentos da Companhia de Jesus no Brasil podem também se colocar a serviço do Sínodo? Como podem se valer da cartilha?

MF – Os Centros Loyola, os SIES, as escolas de Fé e Alegria, os centros sociais, os movimentos de Espiritualidade Inaciana, mesmo os colégios, podem se inspirar na cartilha para organizar um encontro de formação, por exemplo.

Mas também esses mesmos grupos podem ajudar outras comunidades, outras obras e grupos da Igreja no uso da desse instrumento. Estamos, todos, a serviço desse movimento que o Papa Francisco está provocando.

Afinal de contas, ele propõe que o Sínodo seja um meio para resgatar esse modo original de ser Igreja; que vem desde o começo das primeiras comunidades, que é uma Igreja que participa, que discerne… É muito interessante isso; o discernimento no coração da Igreja.

RS – No entanto, para apoiarmos outros grupos, precisamos nós, enquanto obras e serviços da Rede Servir, praticar o discernimento comunitário, a conversação espiritual. Que caminhos o senhor nos aponta para concretizarmos esse chamado?

MF – Primeiro buscando conhecer mais a nossa própria espiritualidade. A Rede Servir ajuda muito nisso. Ela ajuda muito a gente (jesuítas) a partilhar isso, a estudar, a divulgar a nossa espiritualidade. Por exemplo, com os Exercícios Espirituais, o EVC (Exercícios Espirituais na Vida Cotidiana), e também na partilha dos elementos fundamentais da nossa espiritualidade.

Então, eu penso que a gente precisa exercitar mais – claro que também estudar, ler, se informar, mas, principalmente, exercitar, tanto o discernimento com a conversação espiritual nas comunidades, nos grupos de trabalho.

Na etapa continental, aqui em Brasília, esses métodos surgiram como uma novidade que impressionou muita gente, muitos bispos. E é um método que pode ser aplicado para qualquer equipe, principalmente as que trabalham com a Igreja ou com as comunidades, com as Paróquias, com as obras da Companhia de Jesus também. Mas precisamos exercitar um pouco mais.

Eu acho que nós da Rede Servir, o Secretário para a Colaboração Fé e Espiritualidade, nossas equipes de espiritualidade da Província (dos Jesuítas do Brasil), leigas e leigos de Espiritualidade Inaciana podemos ajudar nisso. Talvez fazendo mais ou proporcionando mais formação, dando cursos formais sobre os métodos.

RS – Quais são os próximos passos até a Assembleia Geral, em outubro?

MF – Há um trabalho junto às dioceses em contato com a equipe do Sínodo, feito a partir do Relatório Síntese, para que se elabore um novo instrumento na assembleia de outubro. Esse é um processo já em finalização.  

Enquanto equipe de peritos, vamos nos preparar formalmente para este encontro.

Mas, o mais importante é este trabalho que estamos fazendo na base, de partilhar as reflexões do Sínodo, partilhar o material do Relatório Síntese, mas, além, envolver mais pessoas na discussão desses temas da Igreja Sinodal e na experiência da conversação espiritual. Ou seja, buscar recuperar essa dinâmica de participação de todos, da escuta das realidades, da escuta do espírito, porque não se trata de discussão de temas, de debates, mas de tentar escutar o que o mundo está pedindo à Igreja, o que as pessoas estão querendo de nós enquanto Igreja, como testemunho, como ser uma Igreja que testemunha o amor de Deus, que testemunha a misericórdia de Cristo, a ternura de Jesus.