Ir. Consola, FI
[1Quando Abrão completou noventa e nove anos de idade, o SENHOR lhe disse: ― Eu sou o Deus Todo-poderoso. Ande diante de mim e seja íntegro. 2Assim, confirmarei a minha aliança entre mim e você e o multiplicarei sem medida.] – Gênesis 17,1-5 (Edição Pastoral)
Este fragmento da Palavra de Deus a Abraão é uma recomendação atual. E podemos acolhê-la em diversas versões: “Ande diante de mim e seja íntegro”; “Seja fiel a mim e tenha uma vida íntegra”; “Faça a minha vontade e seja íntegro”; “Comporte-se de acordo comigo e seja íntegro”.
É para que Abraão soubesse como agir, que o Senhor lhe aconselhou: “Ande na minha presença, e seja íntegro”. O livro da criação diz que Deus criou o ser humano com um propósito: para andar com Ele. Ao dizer isto, supomos que Deus sabia que nós, seres humanos, às vezes pensamos que podemos ajudá-Lo na realização dos seus planos. Andar com Deus é um modo de comportar-se. Quem anda com Deus se torna diferente das outras pessoas. Ele manifesta a própria vida do Senhor em sua história. “Diga-me com quem tu andas, e eu direi quem tu és”, é o dito popular. E se Deus é amor, nos lembra São João da Cruz que, “A alma que anda no amor não cansa, nem se cansa”.
Integridade é sinônimo de honestidade, retidão, imparcialidade, portanto, ser íntegro significa possuir conduta reta, ética, justa, honesta. Um coração está íntegro quando se mantém livre de malícias, de corrupções, de sentimentos maléficos como o ódio, a inveja, a soberba e todo tipo de preconceito.
A pessoa íntegra que é leal a si e a Deus escolhe o que é correto, quer haja alguém olhando ou não, quer haja câmeras ou não, porque tem uma motivação interna e em liberdade não é controlado externamente. Jesus de Nazaré é o exemplo supremo de integridade e de quem andou na presença do Pai (Jo14,20). Sua vida foi marcada por uma conduta e ensinamentos que, há mais de dois mil anos, animam seus seguidores a viverem com retidão, amor ao próximo e fidelidade a Deus. E não poucas vezes, pessoas na sagrada escritura ouviram esta recomendação, como foi dito a Miquéias: “Ó homem, já foi explicado o que é bom e o que Javé exige de você: praticar o direito, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o seu Deus” (Mq 6,8).
“Andar na presença e ser íntegro” – indica permanência, comunhão, isso é receber e partilhar. Isso significa que no nosso caminhar em qualquer setor da vida e do mundo a presença de Deus tem de ser uma constante. Santo Inácio de Loyola ensina que: “O amor consiste na comunhão mútua, isto é, aquele que ama dá e comunica ao amado o que tem ou pode, por sua vez, o amado ao que ama” (EE.231).
Será que ser íntegro não tem a ver com o “Buscar e encontrar a vontade de Deus”, vivido e ensinado por Santo Inácio de Loyola?
O que Deus diz a Abraão, “ande diante de mim”, “seja fiel a mim”, “faça a minha vontade”, “comporte-se de acordo comigo”, em linguagem inaciana, quer dizer: viva em contínuo estado de eleição. Como é difícil esse dever de casa!
Eleição significa escolha. E nossa vida é permeada de grandes e pequenas escolhas. A vida não é feita só de crises, mas também e muito mais de sucessos diários, com suas alternativas que também convidam a exercitar-se em prática simples, mas constante. As pequenas eleições definem, a todo momento, a atitude interna e criam o estado permanente que conta na vida; e vivemos a todas as horas, porque escolhemos a todas as horas. Nossas decisões são nossa vida; todas elas, grandes ou pequenas encruzilhadas, os grandes saltos e os pequenos passos. Na vida, são muito mais os passos pequenos do que os grandes saltos. Daí, entendemos que os Exercícios Espirituais são para criar um contexto permanente dentro do qual se faz devidamente uma eleição.
Os Exercícios Espirituais nos ajudam para as grandes decisões, mas, uma vez que estas tenham sido tomadas, esta eleição deve ser levada a cabo nas pequenas decisões diárias que são consequências e expressões das grandes; também estas têm necessidades de luz, conselho e fortaleza e para isto existem a oração diária, o exame diário, a conversa no espírito, acompanhamento espiritual, retiro anual, etc., para sustentar, continuar e aplicar a generosidade de um momento culminante à inconsequência de um momento comum. Caminhar na presença de Deus molda um jeito próprio de ser do cristão. É preciso sustentar a conexão se quisermos andar com Ele, viver n’Ele, como Abraão e São Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. (Gl 2,20)
Os Exercícios Espirituais são um meio para encontrar a vontade de Deus que, como diz Santo Inácio, é encontrar a Deus na vida diária e constantemente.
Assim, vai sendo definido o perfil da pessoa que é cristã, aquela que vive em estado de eleição. É importante o “estado”, o “processo”, a continuidade, o estar sempre alerta e preparada a tempo. Já não se trata de fazer eleição, mas de viver em estado de eleição. A vida inteira se transforma numa contínua eleição.¹
É possível neste mundo turbulento “andar na presença do Senhor e ser íntegros”. Renovemos nosso desejo com o salmista: “Caminharei na presença do Senhor”. (Sl 114(115))
¹ Livro: “Saber escolher – a arte do discernimento” Carlos Vallés, sj págs.107-109