"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

Desconectado para conectar-se

Alguma vez você já se sentiu desconectado? Não estou falando, é claro, da falta de internet ou da sensação de tédio em um domingo chuvoso, muito menos da necessidade de um tempo sozinho para colocar os pensamentos em ordem. Falo mais sobre um sentimento de distância, desconexão consigo mesmo e com o mundo à sua volta; como se não existisse uma ligação verdadeira, nem consigo mesmo, nem com os outros.

Será que isso faz sentido para você? Porque pode até parecer absurdo alguém falar sobre a ausência de conexão em uma época em que a conectividade é intensa, em que as redes sociais incentivam a interação constante e os avanços tecnológicos nos mantêm conectados o tempo todo com pessoas e conteúdos em todo o mundo. Mas, mesmo vivendo nessa era de conexão, mesmo tendo uma extensa rede de amigos nas redes sociais, a sensação de desconexão ainda se faz presente.

Quantos de nós já experimentaram ou ainda enfrentam esse sentimento, não é mesmo? A verdade é que ele persiste, resistindo mesmo após longas horas navegando por fotos no feed, stories e vídeos no Reel ou participando ativamente de grupos no Whatsapp. Nesse momento, talvez podemos começar a perceber que essa sensação pode ter um motivo!

Um sinal de alerta

Em um mundo onde a conexão com qualquer pessoa a qualquer momento é possível, surge em nós a percepção de algo desencaixado, desconexo. “Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”, afirmou um dos grandes pensadores do Século XX, Zygmunt Bauman. Essa aparente contradição ajuda a entender o surgimento de uma sociedade conectada que sofre ao perder a conexão fundamental com o mundo — a conexão com nossa própria essência.

Expressar de forma autentica esta sensação, que é tão íntima e singular, não é uma tarefa simples, já que frequentemente nos causa medo, insegurança e incerteza, forçando-nos a escapar e dissimular esse sentimento. Por outro lado, ao tentar evitar essa sensação, acabamos nos distanciando do verdadeiro propósito desse sentimento, que atua como um sinal de alerta, indicando que estamos ignorando nossas necessidades, emoções e desejos mais profundos. A questão principal é: Como você tem se permitido experimentar esse sentimento?

Decifra-me ou te devoro

Não se sentir conectado não é algo negativo; é, na verdade, um elemento fundamental da nossa jornada existencial. Essa sensação nos impulsiona a mergulhar em reflexões mais profundas e a obter uma compreensão mais ampla sobre a nossa essência, o que nos permite progredir como seres humanos. Da mesma forma que um alarme nos alerta sobre algo inesperado, a sensação de desconexão pode surgir da perda de rumo na vida, do abandono de nossos princípios e nos protege de nos perdermos em um vazio existencial.

Alguns desvalorizam essa percepção ao evitar confrontar questionamentos profundos por medo, buscando refúgio em distrações para escapar do desconforto, arriscando afastar-se de nossos valores genuínos e nos alienando em substitutos vazios de relações humanas autênticas. Isso nos leva a adotar uma postura excessivamente dependente e submissa a uma sociedade consumista.
No antigo mito grego da Esfinge, a necessidade de os seres humanos se compreenderem era evidente – “Decifra-me ou te devoro”. Sem a capacidade de nos conhecermos como somos, corremos o risco de perder a confiança em nós mesmos, o que, em grande parte, se reflete na confiança que depositamos nos outros, especialmente aqueles que são desconhecidos para nós. Assim, o medo da verdade nos consome, nos priva da paz e nos torna seres mais solitários do que nunca, destruindo nossa capacidade de agir, pensar e nos mover, enquanto nos lança em um isolamento contra os outros e contra nós mesmos.

Enquanto não rompermos com o medo, não conseguiremos estabelecer uma conexão verdadeira e o alerta de desconexão continuará a soar, nos lembrando da importância de nos conectarmos conosco e com o mundo ao nosso redor.

O oposto do medo é a fé

As experiências sagradas de nossos antepassados nos fazem lembrar que o primeiro passo em direção à liberdade é reconhecer a presença de nosso Deus ao nosso lado, caminhando conosco. Moisés ouviu de Deus: “Estarei contigo” (Ex 3,12), dando início a uma transformação em sua jornada. Ele compartilhou essa revelação com Josué: “O Senhor irá adiante de ti; Ele estará contigo, não te abandonará, nem te desamparará. Não temas, não te assustes” (Dt 31,7-8). Jesus Cristo reafirma a cada um de nós: “Estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).

Para nós, cristãos, essas passagens nos levam a compreender que o antídoto para o medo não é a coragem, mas sim a fé. A fé em um Deus vivo, presente; em um Deus que caminha ao nosso lado ao longo da história. Por isso, São Paulo nos encoraja a declarar: “O Senhor está comigo, não temo” (Hb 13,6). Essa é a nossa fé: o Senhor Jesus Cristo está conosco sempre!

Portanto, não devemos cair na armadilha de ignorar os sinais de desconexão. É um ato de fé verdadeira ouvir a nós mesmos e nos reconectarmos com nossa essência e com o próximo: refletir sobre as questões não resolvidas, os desejos esquecidos, as emoções, os pensamentos, as ideias e as verdadeiras necessidades da nossa interioridade. Não podemos disfarçar os sinais, mesmo que isso envolva enfrentar a dor. Pois, pior do que essa dor é sentir-se alienado de si mesmo e dos outros.

Jesus, em Sua promessa máxima, não feita de palavras, mas de Sua presença, nos assegura que Ele está conosco, desejando viver em nós, caminhando ao nosso lado nessa jornada interior.