"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

Do estábulo ao Patíbulo – O percurso do pobre! – parte 3

PARTE 2

A celebração da Ceia do Adeus, ontem e hoje.

A saída do Egito, celebrada na Páscoa, de geração em geração, formou a identidade do povo de Israel. A Ceia do Senhor, Ceia do Adeus, como símbolo de todo o mistério pascal, forma a identidade do novo povo de Deus.
Em João, a entrega da vida vem tematizada no gesto-símbolo do Lava-pés. Mais que um gesto, significa a expressão da vida que se entrega no serviço aos irmãos. Em todas as ocasiões os discípulos são chamados a ter a mesma atitude. É um gesto serviço de amor. Um amor que, se for necessário, vai até às últimas consequências: a morte.
Na Ceia, Cristo entrega o Corpo e o Sangue. Mais ainda, pede que esse gesto seja repetido para CELEBRAR a sua memória. Já na comunidade de Corinto, Paulo sentiu a necessidade de advertir contra a defasagem entre o discurso (a palavra) e a prática (o gesto). A comunidade comportava divisões no seu interior. Uns comiam demais; outros passavam fome.
A celebração da Ceia significa repetir o gesto de doação, a fraternidade de Jesus, para celebrar a sua memória.
O questionamento é: como celebramos hoje a Eucaristia -Sacramento da Fraternidade – se na comunidade há irmãos que morrem de fome enquanto outros se empanturram?
Na última Ceia, Jesus recapitula toda a sua vida. O gesto de entrega do pão e do vinho – Nova Aliança -, que simboliza a morte e a ressurreição que virão, não pode ser dissociada da vida que Jesus viveu. Ele é a expressão maior de suas opções, suas atitudes, suas realizações.
No momento-resumo de sua vida, Jesus entrou profundamente dentro da tradição do povo para superá-la. Celebrou a Páscoa Judaica e a superou inaugurando a Nova Aliança no seu sangue.
Foi esse o seu Testamento aos discípulos: A Lei havia sido cumprida e superada e eles deveriam fazer o mesmo para celebrar a sua memória.

O diálogo do adeus

Em João, depois da Ceia, Jesus conversa com os discípulos. Entre outras coisas, diz: Não se perturbe o vosso coração. Os discípulos estavam apavorados e buscavam segurança. Jesus procura infundir-lhes coragem, mas a única segurança que oferecia era acreditar nas palavras dele. Exigia fé, baseada na convivência de três anos com Ele. A dificuldade que os discípulos tinham para compreender demonstrava o quanto ainda eles estavam longe de Jesus e ao mesmo tempo demonstrava o quanto Jesus estava só diante do passo que deveria dar. No momento, ele somente podia contar com o Pai. Hoje também nos sentimos órfãos e buscamos segurança. Nenhuma outra segurança nos será dada a não ser a palavra de Jesus: Não se perturbe o vosso coração. Não vos deixarei órfãos.
Neste diálogo, Jesus convida a permanecer unido a ele para produzir o fruto da vida. E a união é expressa na união com os irmãos e acarreta a perseguição da parte do mundo.
Hoje nos espantamos quando pessoas são mortas e seus assassinos dizem que o fazem em nome de Jesus. Este é o destino do discípulo. Contudo, permanece a grande palavra de confiança em meio à tribulação: Eu venci o mundo!

A oração sacerdotal: um diálogo como Pai

Jesus se compromete em dar a vida para todos aqueles que o Pai lhe confiou. A vida eterna é reconhecer o Pai e seu Filho. Ao mesmo tempo, Jesus dá a vida dando a sua vida. Porém, Jesus condicionou a fé do povo à unidade dos discípulos. Talvez seja por isso que tantas pessoas hoje não creem em Cristo. As pessoas cristãs estão profundamente divididas. Estamos divididos seja por diversas confissões, seja no interior de uma mesma confissão sobre a maneira de testemunhar Jesus hoje.
Jesus foi odiado pelo mundo que lhe deu a morte. Seus discípulos, que permanecem no mundo, também serão odiados. Mas Jesus não tira os discípulos do mundo, apenas pede ao Pai que os preserve do mal. Essa certeza nos dá forças para encarnar-nos cada vez mais nos porões da humanidade.

Discernindo a sua hora na hora das trevas

Jesus está só. Os discípulos realmente estão noutra. Na sua angústia, busca apoio no Pai, de quem quer discernir a hora. É o momento decisivo. Ele vencera a tentação do inimigo no deserto; vencera a tentação dos amigos e familiares; agora deve vencer a tentação de sua própria carne que se perturba, entristece e se apavora frente à perspectiva da morte. Ele está só frente a Deus. Os discípulos dormem.