O pêndulo sensível do “Tanto Quanto”
Regina Console
Por vários anos, ressoa em meu interior as pontuações do Princípio e Fundamento (EE23) apresentado nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio: o “louvar, reverenciar e servir a Deus”, com o qual tanto briguei no início de minha caminhada. A clareza de entendimento das “coisas criadas para ajudar o homem”, o “tanto quanto” que acabei por aplicar na minha dissertação de mestrado em filosofia do direito ao abordar o Capítulo V de Ética a Nicômaco de Aristóteles, a “indiferença” e “o que mais nos conduz”, que até hoje persigo.

Mas vou abrir meu pensar nesta escrita enfrentando o pêndulo sensível do “tanto quanto”, pois este tema voltou à minha mente ao ler a introdução do livro “Desde a aurora eu te procuro – Sensibilidade e discernimento”, de Amedeo Cencini, que assim pontua em seu prefácio:
“No capítulo VIII, a respeito das fases do processo decisório temos: o discernimento é um fenômeno de atração da sensibilidade, que, em seguida, aumenta à medida que a pessoa confirma, com a escolha e a ação, o que a mente descobriu como justo e o coração sentiu como fascinante”.1
Esta frase ficou ruminando em meu interior, pois este binômio sensibilidade-discernimento me levou a dois tópicos que são tão sensíveis em nossa caminhada de acompanhantes e orientadores dos Exercícios Espirituais: o enunciado do Princípio e Fundamento (EE23) aliado ao viver a metodologia-mistagogia contempladas nos Exercícios. Assim diz o EE23:
“…. Daí se segue que o homem há de usar delas tanto quanto o ajudam para seu fim, e há de desembaraçar-se delas tanto quanto o impedem para o mesmo fim”.
Os Exercícios Espirituais são uma escola de afetos, do sentir, da experiência sem prescindir do pensar, da razão. Existe um equilíbrio sensível a ser buscado a fim de se produzir um diálogo fecundo entre técnica, estrutura e modo de proceder (metodologia) com a experiência espiritual ou vivência do mistério (mistagogia).
Não raro, surge o perigo de que, na busca de maior entendimento e compreensão, acabemos por racionalizar o processo dos Exercícios pelo fato de o livro que o orienta ser um “livro de trabalho e didática. Nele se encontra uma pedagogia espiritual, pedagogia essa usada por Deus na História da Salvação. Ele pode servir de matéria de estudo e instrumento de trabalho”, conforme texto introdutório do livro dos Exercícios com orientação e anotações de Pe. Géza Kövecses, S.
Nesta perspectiva, o estudo e a experiência devem ser vivenciados no “tanto quanto” de tal forma que a letra não acabe sendo privilegiada em detrimento do espírito ou vice-versa. A clareza, organização e objetivo da metodologia, se ilumina com a contemplação e vivência do mistério. O equilíbrio está em permitir que a estrutura metodológica seja permeada por momentos de silêncio, oração e escuta.
Como exemplo, cito as Regras para a Primeira e Segunda Semana dos Exercícios Espirituais (EE313 a EE336), normalmente complementadas com um critério objetivo de três fases: verificar o início, o meio e o fim da ação a ser discernida. Este conjunto de tópicos são metodológicos e alvo de muitos escritos, pois, como bem colocado, são pontuações objetivas verificáveis. No entanto, o bom discernir requer sensibilidade e se trata de um processo com critério subjetivo, não verificável e pessoal. Aqui estamos no campo do diálogo invisível entre criador e criatura. Este tema é vasto e pode ser tratado futuramente. Neste momento, basta pontuar que a letra das Regras deve ser temperada com a sensibilidade do movimento interior do diálogo espiritual.
O fruto da união dos critérios objetivo e subjetivo surgirá perseguindo exaustivamente o equilibro entre razão e sensibilidade. Pois, muita razão e pouca sensibilidade têm objetividade ou praticidade, porém carece da sutileza do espírito. Por outro lado, muita sensibilidade e pouca razão é uma explosão de emotividade sem clareza e efetividade.
Porém, há que ainda se adicionar mais um ingrediente neste processo: a continuidade do enunciado do Princípio e Fundamento. Ou seja:
“…Por isso, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas….”
Devemos entender indiferença como liberdade interior, isenção de apego. Pe. Gèza diz em sua nota a este termo no livro dos EE: “a indiferença encerra, por uma parte, a consagração total a Deus e a docilidade perfeita ao Espírito Santo. Por outra parte significa liberdade espiritual dos filhos de Deus frente às criaturas, a liberdade das amarras internas, das ‘afeições desordenadas’”.
Penso que o “tanto quanto” a ser buscado entre o conhecimento objetivo (metodologia) e a experiência subjetiva (mistagogia) deve ser revestido desta indiferença a fim de que o mau espírito não encontre brecha de oportunidade e coloque a semente da soberba intelectual ou a semente de um êxtase emotivo como unção do Espírito Santo. No entanto, se aí cairmos nos lembremos do caminho anunciado por Jesus no Sermão da Montanha: “Felizes os pobres em espírito” (Mt 5,3). A nota de rodapé na Bíblia de Jerusalém assim diz sobre os pobres em espírito: “a pobreza sugere a mesma ideia que a ‘infância espiritual’ necessária para entrar no reino”.
Que busquemos ir continuamente ao encontro deste “tanto quanto”, pêndulo sensível de harmonia na vida, nas relações e no uso das coisas.