Ir. Douglas Turri, SJ

Apenas por hoje quero ousar um gesto simples: examinar-me. Quantas vezes passo de tarefa em tarefa sem indagar o sentido, como se viver fosse apenas cumprir funções? Ao não escutar minhas motivações, deixo que o ruído me conduza. Hoje desejo parar — e no silêncio sondar o que é sombra e o que é graça naquilo que me move.
Descubro então que os motivos são muito mais complexos do que simples pensamentos: são razões e sentimentos, passado e presente, costumes e hábitos, medos e esperanças, tudo misturado e revolvido.
Uma cultura de alto desempenho
Quem nunca se sentiu sobrecarregado, exausto, ansioso? Clarice Lispector, em Água Viva, escreveu: “Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo.” Reconheço-me nesse espelho. Muitas vezes me vejo acumulando tarefas, respondendo “eu cuido disso” ou “pode deixar comigo”, como se tudo dependesse apenas de mim.
Essa experiência não é isolada. Somos filhos de uma cultura que valoriza o alto desempenho. Desde cedo, ouvimos frases como: “você pode tudo o que quiser”; “todo esforço terá recompensa”; “se quer algo bem feito, faça você mesmo”. Sem perceber, aprendemos a medir nosso valor pelo que produzimos, entregamos, superamos. Mas esse caminho nos deixa estéreis, incapazes de saborear o presente.
Nietzsche advertia: “nossa civilização caminha para a barbárie” quando não há espaço para descanso. A ausência de pausas mina nossa capacidade de ver, ouvir, pensar, imaginar. A ansiedade e a pressa tornam-se regra. Até mesmo virtudes nobres — generosidade, compaixão, disponibilidade — se distorcem quando nascem apenas da pressão de “fazer sempre mais”. Santo Inácio, em carta aos jesuítas de Coimbra, lembrava: “as enfermidades espirituais não provêm só do frio, como a tibieza; vêm também do calor, como o demasiado fervor.”
Apenas por hoje, quero aprender a descansar em Deus, lembrando que o mundo não depende só de mim.
O exame como antídoto
É nesse cenário que o exame se apresenta como um verdadeiro antídoto. Quando tudo parece exigir produção, ele me convida a parar; quando o mundo me mede por resultados, ele me recorda que sou chamado a escutar o coração. O exame não é introspecção narcisista, mas uma oração reflexiva que dá fundamento à ação: nele, revisito meu dia, não para julgar o que fiz, mas para perceber onde Deus esteve presente e para onde Ele me chama.
Inácio o coloca logo no início dos Exercícios Espirituais, não como apêndice, mas como prática indispensável para viver com atenção. É um caminho para encontrar a vontade de Deus, escutando o que as escolhas revelam de mim e do Senhor que me acompanha. É também um exercício de liberdade: distinguir no cotidiano o que conduz à vida e o que me aprisiona.
Assim, o exame me ajuda a saborear a vida, e não apenas a produzi-la. Ele me lembra que não sou máquina de desempenho, mas criatura amada, chamada a contemplar no meio da ação.
Apenas por hoje, quero deixar que esse olhar penetre minhas escolhas e transforme a pressa em oração, a rotina em lugar de encontro, o cansaço em espaço de confiança.
Um modo de estar no mundo
Jesus pediu ao Pai: “Não te peço que os tires do mundo, mas que os defendas do maligno” (Jo 17,15). Segui-lo não é fugir, mas habitar este mundo de um jeito novo: contemplativos na ação.
Na espiritualidade inaciana, esse modo de viver nasce da atenção: parar, examinar, discernir. O exame me liberta da pressa de fazer sem pensar e me reconduz ao essencial — encontrar Deus em todas as coisas. Ele me recorda que a maior honra e glória de Deus não se mede por resultados, mas por disponibilidade interior: escutar, responder, amar.
Apenas por hoje, quero viver assim: examinando minhas escolhas, evitando o automatismo do fazer sem sentido, deixando que a graça transforme até a rotina em lugar de encontro. Apenas por hoje, desejo permanecer em estado de eleição, contemplativo na ação, com outros e para os outros, em Cristo.