Um ponto de partida bem concreto – para este texto e o papado de Francisco – pode ser a preparação para o Conclave, quando os Cardeais apresentaram suas demandas ao futuro da Igreja e do novo Papa. Até então, a Igreja esteve muito tempo centrada e voltada para a Europa. Cada Papa com suas características e influências, próprias do seu modo de ser e da sua cultura. Por qual motivo com Francisco seria diferente?
Completamos 11 anos de surpresas e direcionamentos que recolocam a Igreja na agenda da sociedade atual. Já temos um caminho em curso, experiências sendo implementadas, pessoas afetadas….
Todo este trabalho é acompanhado, também, por muita resistência. E não poderia ser diferente. A proposta e o modo de ser de Papa Francisco são muito ousados para uma instituição que era considerada parada no tempo. O Cardeal Martini chegou a afirmar que “a Igreja estava 200 anos atrasada”, frase citada pelo pontífice ao falar com os que trabalham na Cúria Romana. A desconfiança, ou mesmo a incredulidade de alguns diante do modo de viver a fé de Francisco impacta sim, mas é o natural.
O certo é que não dá para passar adiante sem percebê-lo. O pontificado de Francisco é real.
“Tudo parte de Cristo”
A proposta de Francisco é uma volta às fontes. Não voltar ao passado, mas voltar ao que é central, à fonte interior, que dará a razão e o motivo para toda a ação pastoral. “Tudo parte de Cristo”, disse Francisco aos catequistas, no ano de 2013. Aqui, ele coloca no eixo o que deve ser e fazer a Igreja como um todo; convida a que a Igreja possa voltar o seu olhar e sentido para a pessoa de Cristo, partir dEle e não de mundanismos nem modas. Deixar-se conduzir pela relação e amizade com Cristo e, assim, recuperar o “estupor”, a admiração pela Sua presença e pela relação com Ele, quando tudo se faz novo, sempre.
Marcas registradas
Seus documentos e seu magistério são marcas na história da Igreja; uma verdadeira trilha que nos levam ao Evangelho de Cristo. Os textos de Francisco revelam a sua fidelidade ao que lhe foi solicitado, especialmente sobre as demandas atuais dos cristãos atuais.
Cito, aqui, alguns que revelam como Francisco compreende a Igreja e a sua missão nos dias atuais:
- Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013)
- Carta Encíclica Laudato Sì (2015)
- Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia (2016)
- Carta Encíclica Fratelli Tutti (2020)
- Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (2022)
- Exortação Apostólica Laudate Deum (2023)
- Declaração Fiducia Supplicans (2024)
Discernimento e escuta
Como Jesuíta, Francisco coloca na ordem do dia o tema do discernimento – e ele sabe que só há discernimento, se houver escuta interior. Por isso, conclama à Igreja toda a escuta – um exercício exigente e paciente.
A oração é escuta da vida interior e, essa escuta da vida interior, pede “treinamento”, exercícios espirituais, exame dos sentimentos. Francisco desperta a Igreja para a escuta das “entranhas”, daquilo que se passa dentro de nós.
O critério para uma Igreja em saída ou um “hospital de campanha”, é escuta de si mesmo e das “entranhas dos sacrificados”. Desse modo, a Igreja de Cristo retorna ao Evangelho, com uma verdadeira transmissão de proximidade, de misericórdia e de radicalidade no amor.
Hoje, a Igreja está em marcha nesse processo de escuta. Estamos em sínodo. Seguimos na acolhida e integração de grupos, de pessoas. Mais do que nunca, a Igreja está de portas abertas, desejosa de ser aquela que cuida e cura a “todos! Todos! Todos!”.
Testemunho de fé
Poderia me alongar aqui, por infinitas palavras e páginas, mas pessoalmente, mais belo de tudo em Francisco é ver a sua tranquilidade e bom humor. É um homem desprovido de necessidade do que é artificial.
Olhar o Papa Francisco nos dias de hoje é trilhar um caminho ousado e esperançoso.
Com o seu problema de saúde, utiliza a cadeira de rodas sem constrangimento – se lembrarmos, Joao Paulo II ou Bento XVI utilizavam disfarçados tronos com rodas. Francisco escancara a fragilidade de seu corpo e, assim, segue firme nos surpreendendo a cada dia, com a sua ousadia apostólica, espiritual e com o seu testemunho de não nos deixemos seduzir pelo falso, pelo mais fácil.
Sua postura e vida o colocam como referência ética e moral para uma humanidade fragmentada e frustrada, que busca referências em pseudocelebridades, mas olha para Francisco com curiosidade e com desejo de sempre ouvir dele a surpreendente postura que nos aproxima mais e mais do modo de proceder de Cristo.