"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

Fraternidade e Amizade Social: um bordado das relações humanas

Fazendo uma leitura dos acontecimentos contemporâneos, no Brasil e no mundo, marcados por desavenças extremas – do ponto de vista político –, exploração econômica, exclusão social das multidões empobrecidas, violência generalizada em meio a crescentes catástrofes socioambientais, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da Fraternidade, deste ano de 2024, como tema “Fraternidade e Amizade Social”. Um convite ao discipulado de Jesus à reflexão, oração e conversão também no que tange as relações socioafetivas.

Da etimologia a pensamentos atuas

Buscando o significado das palavras fraternidade e amizade, encontramos no dicionário (Houaiss) as seguintes definições:

Fraternidade: laço de parentesco entre irmãos; irmandade; amor ao próximo, harmonia e união entre aqueles que vivem em proximidade ou que lutam pela mesma causa;
Amizade: sentimento de grande afeição, de simpatia (por alguém não necessariamente unido por parentesco ou relacionamento sexual); grande apreço, solidariedade ou perfeito entendimento entre entidades, grupos, instituições etc.

Os filósofos gregos da antiguidade já definiam a amizade como algo que funde amigos num só sentimento, na busca por felicidade reciproca. Aristóteles (384 – 322 a.C.) afirmava poeticamente que “a amizade é um coração que habita em duas almas”.
Na atualidade, a Psicologia Social tem se interessado muito em estudar a dimensão da amizade como relação humana que garante compensação e estabilidade entre as pessoas. Se afirma, nessa linha de pensamento, que, por meio da convivência socioafetiva, podemos encontrar e oferecer apoio emocional e material, com ações solidárias que buscam superar os riscos impostos pelas tendências individualizantes e subjetivantes da sociedade moderna em crise.
Francisco Ortega, no livro “Amizade e Estética da Existência em Foucaut”, afirma que a amizade cria novos vínculos na relação com o outro, afinidade eletiva, que Ortega chama de “cortesia”. Trata-se de um comportamento social muito desvalorizado em nossos dias, mas que, exatamente agora, pelos motivos acima citados, deveria ser retomado com toda força e urgência.

Um olhar mais amplo a partir da Igreja

Na encíclica papal Fratelli Tutti, no capítulo seis, intitulado “Diálogo e Amizade Social”, Papa Francisco chama atenção para a necessidade da aproximação por meio do diálogo social, capaz de promover uma nova cultura que inclua as trocas (intercâmbio) entre gerações, o respeito aos pontos de convergência e divergência, aprendendo sempre de novo a conviver. Neste mundo globalizado, “os meios de comunicação podem ajudar a sentir-nos mais próximos uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna (Francisco, FT. n. 205). O tema Amizade Social sugere, então, repensar e ampliar o atual sentido do termo amizade.
Para se cultivar a Amizade Social é necessário vivenciar a fraternidade nas coisas simples do cotidiano, pois a amizade é sempre um movimento em prol da serena aceitação dos valores e limites alheios.
Carlo Verzeletti, recorda ainda, da homilia de Papa Francisco, na Praça de São Pedro, em 14 de fevereiro de 2021, quando convida as pessoas de fé cristã e aos homens e mulheres de boa-vontade a observar o estilo de Deus: a proximidade, a compaixão, a ternura nas convivências, enquanto caminho que promove a abertura para um novo bordado das relações humanas.
Já o cardeal português José Tolentino, na introdução de seu livro “Nenhum caminho será longo”, afirma que a amizade é uma experiência universal e representa, para cada pessoa, um percurso inapagável de humanização e de esperança; abrindo espaço para uma reflexão dos passos necessários para a vivência efetiva da amizade nos diversos contextos: pessoal, familiar, comunitário e socioambiental.

Me leva a crer

A Amizade Social é um bem universal, é uma maneira de abraçar, reconhecendo, valorizando, amando todos e todas, independente da proximidade física. É uma forma de romper fronteiras, comunicando uma fraternidade aberta, vivenciando o amor de Deus, distintivo dos cristãos e cristãs no mundo de hoje.
A amizade pessoal e social é como semente nas mãos do semeador que saiu a semear. Para que se possa colher saborosos frutos, é necessário inserir-se em terra fértil, trabalhando com delicadeza, cortesia, amabilidade, paciência e sabedoria própria da experiência.


Referencias
AMADO, Joel Portela; Hansen, Jean Poul; Venâncio, Mariana Aparecida. Texto Base da Campanha da Fraternidade 2024. Brasília: CNBB, 2023.
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulinas, 2020.
FRANCO, Francisco Manoel de Mello; HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MENDONÇA, José Tolentino. Nenhum caminho é longo: para uma teologia da amizade. São Paulo: Paulinas: 2013.
ORTEGA, Francisco. Amizade e Estética da Existência em Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
PENSADOR. Site. Disponível em: https://www.pensador.com. A amizade é uma alma que mora em dois corpos, um coração que palpita em duas almas. Acessado em: 12 de fev. 2024.
VERZELETTI, Carlos. Lectio Divina: Roteiro para as pequenas Comunidades que se reúnem ao redor da Palavra. Brasília: CNBB, 2023.