Devemos ser humildes, certo?
Com certeza. Mas, isso não significa deixar de reconhecer o dom de Deus e o bem que Ele pode fazer através de nós, por mais pecadores que sejamos.
Há um perigo na espiritualidade cristã se colocarmos excessiva ênfase na humildade, na pequenez, nas nossas misérias. Se tem uma música que me recuso a cantar é aquela que diz “Perdão sou, Senhor, porque sou tão pecador… sou pequeno e sem valor”. Pequeno sim; sem valor, nunca, jamais. Pois, foi Deus quem me criou por amor e para o amor. E tudo o que Ele faz é bom e precioso.
Santo Inácio, em uma das cartas que escreveu à sua amiga, Teresa Rejadell, revela o modo como o inimigo da natureza humana costuma atacar nosso coração, quando estamos no caminho do serviço de Deus. A primeira forma costuma ser um ataque direto, colocando impedimentos e obstáculos, procurando desanimar, trazendo à lembrança ou à imaginação quanta privação esse caminho pode acarretar. Se essa tática falha, uma segunda estratégia é insinuar que estamos indo bem demais sozinhos (vanglória) e, assim, acabamos nos afastando de Deus, por achar que não precisamos mais dele.
É claro que, nessa segunda maneira, o inimigo age devagarinho, de modo quase imperceptível. Aos poucos, vamos deixando de rezar, negligenciando as práticas piedosas e assim nos enchendo de soberba.
É verdade que podemos perceber nosso esfriamento a tempo e retornar ao amor primeiro, acalentando a chama que estava esfriando.
Mas, se resistirmos, o “Tinhoso” é bem capaz de se insinuar por meio de uma terceira tática, como alertou Santo Inácio à sua amiga Teresa. Primeiro, o inimigo nos faz negar o bem que Deus opera em nós, ou seja, as virtudes que existem em nós. Por exemplo, se realizarmos uma boa ação, consideramos presunçoso achar bonita essa obra, negando o seu valor, recusando até mesmo admitir que foi ação de Deus em nós ou que fomos capazes de fazer tal bem, trata-se de uma falsa humildade, uma humildade viciada, o medo de reconhecer o dom de Deus em nós (2 Tm 1,7).
O passo seguinte não está distante, embora também chegue aos poucos. Se Deus não está agindo em nós, se não somos capazes de fazer o bem, então Deus nos abandonou. Outra mentira semeada pelo inimigo. Percebe o perigo? Daí eu, que seria capaz de fazer tanto bem e deixo de fazer porque sou levado a acreditar nessas mentiras. Bingo! O anti reino sobressairá, porque muitas coisas boas que eu poderia fazer, deixarão de serem realizadas por falta de coragem e pela desolação a que eu estarei imerso por ter acreditado que nada do que faço tem valor.
Como diferenciar a verdadeira da falsa humildade?
A humildade verdadeira é amorosa, e não temerosa; enquanto a falsa humildade contrai a alma, levando-a a pensar ao passado e em assuntos de menor importância; a verdadeira humildade expande o coração, levando-nos a abraçar os nossos limites diante do amor misericordioso de Deus, impulsionando-nos para a frente, para o novo, para a construção do futuro e de algo melhor.
Significa que a humildade cristã é “irmã siamesa” da magnanimidade – palavra que também significa grande. Deus conta conosco para que sejamos luz do mundo. De modo que nossas boas obras sejam vistas e nosso Pai, que está nos céus, seja glorificado (Mt 5,16). Magnanimidade que não se confunde com vaidade, pois nos ajuda a reconhecer que o bem que fazemos tem sua origem, meio e fim em Deus. Nesse aspecto, como em tantos outros, Maria é exemplo e mestra:
“…porque ele (o Senhor) olhou para a humildade da sua serva… o Poderoso fez em mim coisas grandiosas. O seu nome é santo” (Lc 1,48s).
Humildade vem de húmus, terra, o que está no chão, no nível do solo. Nem acima, nem abaixo. É nossa mais pura verdade. O nosso nível zero. E, em nossa terra, em nosso solo, existe sujeira, aspectos que precisam ser purificados; também, aquilo que aduba, que é fértil, que tem vitalidade e que, por isso, Deus aprecia e quer utilizar para fazer frutificar e semear outros terrenos.
Se é assim, também somos magnânimos, grandes, preciosos, valorosos. Temos muita riqueza e capacidade de fazermos o bem. E, de fato, já o temos feito ao longo de nossa história. É no equilíbrio e no discernimento da humildade e da magnanimidade que se encontra o Magis Inaciano.
A “inaciodica” de hoje é procurar perceber as táticas que o inimigo busca aplicar a seu respeito e equilibrar humildade e magnanimidade, palavras-chave para a maior glória de Deus.