
Uma das facetas que mais me encantam na espiritualidade inaciana são as Regras de Discernimento. Elas me impressionam porque foram experimentadas, interpretadas e transmitidas por Santo Inácio em uma época muito anterior ao surgimento da psicologia e, no entanto, parecem impregnadas por esse saber.
Durante a convalescença de uma cirurgia na perna, causada por uma bala de canhão, Inácio percebeu, em seu interior, forças que exerciam forte atração em sua vida. Observou que algumas o aproximavam de Deus, enquanto outras o afastavam. Esses movimentos interiores (“moções”) eram, por vezes, claros; em outras ocasiões, não tanto. Ele refletiu e rezou sobre tais movimentos, em si mesmo e em outras pessoas que partilhavam oração e vida com ele. Algum tempo depois, organizou as Regras, que permitem reconhecer essas moções interiores para acolher as boas e rejeitar as más.
Como ninguém é bom juiz em causa própria, o processo de discernimento deve ser partilhado com outra pessoa, com vivência na espiritualidade inaciana, e que acompanhe essa jornada. Esse é um aspecto muito importante e de grande ajuda.
O primeiro conjunto de Regras é mais adequado a quem está iniciando a caminhada, propondo-se a seguir mais de perto a Jesus (estão descritas nos números 313 a 327 do livro dos Exercícios Espirituais). Trata-se de um tempo em que a pessoa revisita sua história, aprende a reconhecer as moções interiores e a identificar quais vêm de Deus. Com a ajuda do(a) acompanhante, aprende a distinguir quais conduzem ao Reino de Deus. A partir desse autoconhecimento, capacita-se para reconhecer os movimentos espirituais – a fim de acolhê-los ou rejeitá-los – ao longo da própria vida.
O segundo conjunto de Regras não busca diferenciar o que leva ou afasta da proposta do Reino, mas tem por objetivo identificar como e onde se comprometer mais, segundo o chamado de Jesus em sua vida, naquele momento (EE 328 a 336). A pessoa que já O segue deseja aprofundar o processo de discernimento, buscando maior consonância com o Reino de Deus e acolhendo o desejo de mais amar, seguir Jesus e servir ao próximo. Também aqui o confronto com o(a) acompanhante espiritual é fundamental.
Convém lembrar que, embora sejam denominadas “regras”, elas não constituem um corpo de normas a serem seguidas. Antes, resumem estratégias identificadas por Inácio – e atualizadas ao longo da história – para ajudar cada pessoa a discernir as moções em sua vida, aqui e agora, evitando estacionar em uma zona de conforto e buscando sempre amar e servir mais a Deus na vida concreta: o famoso magis inaciano.
Ao longo de minha vida profissional, vivi muitas situações que me possibilitaram praticar o discernimento espiritual: na escolha da profissão, da carreira e proposta de cargos; nas relações, por vezes conflituosas, com chefes e colegas; em convites para serviços voluntários. Em todas elas, fez grande diferença poder levá-las à oração, para escutar o Bom Deus, e partilhar as moções experimentadas com meu/minha acompanhante espiritual de então. O desafio recorrente de identificar o magis nas situações da vida corrente.
Desejando em tudo Amar e Servir, na mística do Pai Nosso: ser Filha e Irmã!