Pe. Laércio de Lima, SJ
Discernir, atentos às misturas que há em nós
O caminho e direção ao discernimento dos espíritos é bonito e necessário, porém, é árduo. Todos nós somos visitados por vontades que nos levam a encruzilhadas, e nos deparamos com a dificuldade em tomar decisão de por onde ir. Mesmo em tempos de GPS, precisamos avisá-lo, programar o destino, caso contrário, daremos volta em torno de nós mesmos, sem oriente e sem horizonte.
Em tempo de Igreja sinodal, quando todos somos convidados a opinar, ou mais do que isto, a comunicar a ação do Espírito em nós, expor o que sentimos e trazemos dentro, necessitamos ter claro qual ator age dentro de nós: qual espírito nos move. Francisco sempre alerta para a importância do sínodo e da presença do Espírito; ele revelará a verdade, caso deixemos que Ele aja.
As misturas, elas existem para confundir, manipular e dificultar que alcancemos a meta final com lucidez; quanto mais trevas, melhor.
Por isso, precisamos sempre ter claro diante de nós a meta que queremos lançar, a matéria de oração, o item que queremos trabalhar. Não teremos esta resposta sem antes sabermos quem somos nós, o que buscamos e para onde queremos ir. Precisamos saber de onde falamos, a partir de que chão e realidade. Ou seja, precisamos de ponto de partida e precisamos de meta.
No evangelho Mc 10,2-16, acontece uma cena interessante, revela um plano de mais uma armadilha para Jesus. Os fariseus trazem um tema, uma pergunta para o mestre: “é permitido divorciar-se de sua mulher?” (Mc 10,6) – a conversa parte daí. Algumas pessoas, envolvidas pelo tema do divórcio, podem até ficar presas neste tema “principal” do divórcio. Jesus, como bom mestre, desarma a armadilha e segue a sua vida.
A questão principal aqui é agarrar Jesus em uma armadilha, ele seguia a Jerusalém, e todos sabemos o que lá acontece.
Quero chamar a atenção para o fato de que nem sempre a matéria para o discernimento é pura, mas sempre pode haver misturas que nos levam a uma armadilha da intenção e da vontade.
O discernimento, para acontecer, deve ser feito a partir da honestidade intelectual. Quando começamos maquiando a verdadeira vontade, nos deixamos cair na tentação do mau espírito; isso nos levará a um caminho complexo.
Os fariseus não estavam preocupados com as mulheres, nem mesmo com o divórcio em si, mas queriam tramar contra Jesus.
Jesus advoga no evangelho de Marcos pelo projeto primeiro de Deus, cita Gênesis (Mc 10,6) e aponta para o que Deus desejava do homem e da mulher.
Quando formos fazer um discernimento espiritual comunitário, precisamos:
- Conhecer a matéria que queremos discernir, buscando tirar e afastar as misturas em nós.
- Garantir a lisura de quem participa conosco ou, pelo menos, saber da honestidade e maturidade para tal.
- Desejar de fato ser livre e nunca apegado a um objeto de discernimento ou outro.
- Garantir a participação do Espírito, implorar, pedir a sua presença.
- Não esquecer do plano de Deus para nós. Esta é a meta, conhecer e encontrar a vontade de Deus.
Jesus, vendo a realidade que o cercava, pediu que deixassem se aproximar dele as criancinhas (Mc 10,14) e aponta para todos o modelo de vida: liberdade, leveza, alegria.
Precisamos descer, diminuir, desarmar o coração, especialmente em grupo, em comunidade, para a escuta da voz do Senhor, com liberdade abraçarmos o que Ele quer para nós, sem misturas e sem confusão.
Acredito que sempre poderemos ir mais além, de forma mais profunda, tirar os véus que nos impedem de olhar e encarar as nossas verdades veladas pelos véus da vaidade, do medo e do desejo de sempre tirar proveito de tudo, pois nem sempre sabemos perder. Jesus nos ensina em muitas ocasiões: perder é ganhar.
Na vida e missão é necessário acostumar a deixar que o Espírito fale, revele a vontade do Pai, e assim vamos aprendendo, na escola da autenticidade, a como parecermos mais com Jesus e menos com os fariseus.