"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

O Pobre Peregrino, parte I

Celebrar os 500 anos da peregrinação de Inácio à Terra Santa é uma oportunidade para prosseguir no caminho da proposta de uma conversão continuada, apresentada pelo Ano Inaciano (2021-2022).
Inácio, ele mesmo, se autodenominou peregrino em uma de suas tantas cartas. Esta, especificamente, é endereçada a Agnese Pasqual (Barcelona, 6 de dezembro de 1524). Depois de dar conselhos e orientações espirituais, convida-a a permanecer firme, procurando “progredir no que convém” e termina a carta assinado como “Il povero pellegrino” (Sant`Ignazio di Loyola – Gli Scritti. AdP, p.922). Assim, sem saber, nos dá uma chave de leitura da sua vida e do que se passava dentro de si, ao se denominar o pobre peregrino.
É a forma como o seu secretário, Pe. Jerônimo Nadal, SJ, chamava a Inácio na autobiografia ditada pelo santo. Um peregrino com uma perna mais curta que a outra, que, caminhando em seu ritmo e ao seu modo, nos deixou um legado, pegadas e marcas na vida do cristão do Século XVI e, sem muito ter ou saber o que aconteceria no futuro, Inácio continua peregrinando em nossas vidas e histórias.
Decide ir à Terra Santa:

“Assim, ao princípio do ano de 1523, partiu para Barcelona a embarcar-se… quis ir sozinho. Toda a sua ideia era ter a Deus só por refúgio” (Autobiografia 35).

A nota de pé de página deste número da autobiografia narra o modo. Neste momento, Inácio já era conhecido e respeitado pelo povo em Manresa (ES) e como se sentiram na hora da sua partida em direção a Jerusalém. 

“Todos os da casa Amigant, ajoelhados, começaram a chorar docemente pela partida do Santo. Quiseram beijar-lhe os pés… mas não o permitiu, embora o pedissem de mãos juntas… seus admiradores o seguiram até o limite do município. Aí, apontando o céu com uma das mãos e levando a outra ao coração em sinal de agradecimento, despediu-se e partiu” (Larrañaga. Aut. BAC 196; in Autobiografia de Santo Inácio, Edições Loyola, 1991. p. 44).

Inácio sabia o que queria e tinha propósito claro. Não focava nas dificuldades. Sabemos dos desafios de um peregrinar, especialmente quando falamos de um caminho como o da Igreja, nada convencional quando pensamos no ambiente social e eclesial nos dias de Inácio de Loyola. Passo a passo, Inácio foi peregrinando, com algumas paradas importantes e, por vezes, indesejadas. Internamente ele nunca estacionou. O seu objetivo e a sua marcha sempre estiveram em seu coração. Seguiu o peregrino o caminho que era possível, no ritmo permitido pelas suas limitações corporais e espirituais.
Ao que tudo indica, Jerusalém era a meta que ele trazia dentro de si. Logo que percebeu as primeiras moções de seguir a Cristo, “tudo o que desejava realizar, logo que sarasse, era ir a Jerusalém” (Autobiografia 9, p.24). Ele, ainda enfermo, sentia grande consolação quando pensava em partir para a Terra Santa.

“Quando pensavam nos assuntos do mundo, tinha muito prazer; mas quando, depois de cansado, os deixava, achava-se seco e descontente. Ao contrário, quando pensava em ir a Jerusalém… ficava contente e alegre” (Autobiografia, 8 p. 23).

Sabemos que, naquele momento histórico, muitas pessoas peregrinavam à Terra Santa em busca de estar perto da local onde viveu Jesus, onde pisou, deixou suas marcas e seus passos. Este era também o foco e o desejo de Inácio: estar mais perto dos lugares santos. Para isto, ele precisaria vencer a si mesmo, sua vida interior, escrúpulos, assim como vencer os limites climáticos, tornar-se um homem mais e mais despojado para poder caminhar em liberdade, como um bom peregrino. Inácio, seguindo os passos de Jesus, construiu o seu próprio caminho, em direção e em busca de alcançar a cidade eterna, foi abrindo espaço para a eternidade dentro de si. Ele aprendeu que a sua vontade e o seu projeto, nem sempre eram tão fáceis de se realizar, especialmente quando dependia dos outros, de decisões que não podia alcançar.
Peregrinar pede de nós a liberdade plena de saber-se deixar conduzir dentro de um conjunto de conjecturas que não dependem de nós. Este fato, apenas faz crescer a liberdade do peregrino. Saber-se nas mãos de Deus e de ser Ele a meta, o horizonte, o fim. Atravessar vales e mares, montanhas, neves, ventos, incertezas, desejos mais humanos, dores e cansaços, sempre apontam para a dificuldade da vida de um peregrino, mas, ao mesmo tempo, revelam que a meta final se torna mais preciosa.
Nestes 500 anos da peregrinação de Inácio a Jerusalém, somos também convidados a dar continuidade ao projeto de peregrino que todos nós fazemos, quando nos aproximamos do testemunho de Inácio, o Peregrino, e quando ele nos leva a experimentar entrar no Caminho, que é o próprio Cristo.
Para rememorar este amigo peregrino, precisaremos sair do conforto e do bem-estar da nossa vida mesmo e ir em direção às estradas da vida, da nossa história mesmo. Esse é o primeiro ponto, de vários passos que ofereço para crescer na aproximação da espiritualidade inaciana. Muito nos ajudará seguir esta trilha, fazendo algumas opções que nos auxiliarão na formação e no crescimento espiritual.

PRIMEIRO PASSO: Aproximar-se de um “texto fonte” de Inácio de Loyola

O Livro dos Exercícios Espirituais, o Diário Espiritual de Inácio, as Cartas de Inácio, as Constituições da Companhia, por exemplo. Assim como Inácio, através da leitura de obras com A vida de Cristo e A Vida dos Santos, foi abrindo a possibilidade de caminhos novos, nós também precisaremos continuar esta empreitada da nossa construção a partir daquilo que Inácio escreveu partindo da sua longa caminhada.
Será um lindo tempo para uma aproximação com um destes textos, buscando sentir com Inácio, imaginar, caminhar, peregrinar com ele e fixar o sentido, em cada palavra, ideia, regra, norma, proposição, seja para a Companhia nascente, seja para leigas e leigos com os quais ele teve um vasto ministério de aconselhamento espiritual. Com este passo ou decisão em minha peregrinação pessoal, poderei, sim, pouco a pouco, como Inácio, compreender mais e melhor a usar a vida.
O objetivo não será se tornar mais inaciano, como se esta decisão mudasse tudo em nossa vida, pois não muda. O que de fato transforma a nossa vida é o encontro com Cristo.
A peregrinação que Inácio fez, indo à Terra Santa, em um período da sua vida, foi um tempo precioso, especialmente para mostrar a ele que mais do que encontrar a Terra Santa, seria necessário fazer-se terra santa, para abraçar a semente da Palavra de Deus. O encontro com o Cristo nos converte. Não será a peregrinação em si o elemento fundamental, mas o fazer da vida uma peregrinação constante, incansável, até que teremos forças e condições, motivos e motivações para continuar buscando e encontrando, em toda a nossa vida, o Caminho.

“Eu sou o Caminho” (Jo 14,6), disse Jesus.