Pe. Washington Paranhos, SJ
O Ano jubilar que estamos vivendo ajuda-nos a redescobrir a profundidade e a autenticidade da esperança, como capacidade de nos determos, com um olhar admirado e comovido, diante da obra de Deus que visita a complexidade e a fragmentação da história. Esta tensão espiritual caracteriza também o tempo da Quaresma, “em nossa caminhada para a luz da Páscoa, seguindo os passos de Cristo, mestre e modelo da humanidade, reconciliada e vivificada no amor” (Prefácio da Quaresma V).

Nos quarenta dias do caminho batismal e penitencial que nos espera, a Igreja, povo do Êxodo, faz uma peregrinação que culmina no encontro pascal com Cristo, morto e ressuscitado. Deste ponto de vista, a Quaresma não é um tempo triste, mas um tempo favorável de renovação espiritual que, através do jejum, da caridade e da oração, nos impele a não basear a nossa esperança em ilusões efêmeras e fugazes, mas a enraizá-la na plenitude e na densidade do amor de Deus, que “de tal modo Deus amou o mundo, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
O deserto quaresmal orienta os nossos passos para o túmulo vazio, testemunha eloquente da alegria da Páscoa e do seio fecundo de um mundo novo. A este mistério, a liturgia da Igreja dedica cinquenta dias, aquele cheiro de vida que não morre, de esperança que não desilude e de amor que não tem fronteiras. Neste dia de festa singular, como para os primeiros discípulos e discípulas de Jesus, o Ressuscitado se faz viandante das nossas histórias: Ele acolhe as nossas desilusões e as nossas lutas e, atravessando-as com a luz da Páscoa, abre-as a um novo horizonte de sentido.
Tempo da Quaresma: o que é?
A Quaresma designa um período que precede a Páscoa, celebração da ressurreição de Jesus. A palavra Quaresma tem sua origem na frase latina: “Quadragésima die Christus pro nobis tradétur”, que se traduz assim: “Daqui a 40 dias Cristo será entregue por nós”, para a nossa salvação. Quaresma é, portanto, um tempo de preparação para a Páscoa, a mais importante festa do calendário religioso cristão. Neste período, que começa na Quarta-feira de Cinzas e termina na Quinta-feira Santa, somos convidados a fazer um confronto entre o nosso modo de viver e a mensagem cristã expressa nos Evangelhos. Este confronto deve nos levar a aprofundar a compreensão da Palavra de Deus e a intensificar a prática dos princípios essenciais da sua fé.
Desde sua origem a Igreja prepara, com carinho, a festa da ressurreição de Jesus. No início, eram apenas 3 dias de preparação, mas, a partir do ano 350, a Igreja decidiu aumentar o tempo de preparação para a Páscoa, permanecendo os 3 dias como o Tríduo Sagrado da Semana Santa: Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa e Sábado Santo, mas prolongando a preparação para a Páscoa em quarenta dias. Isto aconteceu porque a Igreja percebeu que três dias eram insuficientes para preparar adequadamente uma festa tão importante. Surgia, assim, a Quaresma.
O número quarenta é bastante significativo no contexto das Sagradas Escrituras. O dilúvio teve a duração de quarenta dias e quarenta noites e foi a preparação para uma nova humanidade, purificada pelas águas; durante quarenta anos o povo hebreu caminhou pelo deserto rumo à terra prometida, tendo atravessado o Mar Vermelho; antes de receber o perdão de Deus, os habitantes da cidade de Nínive fizeram penitência por quarenta dias; o profeta Elias caminhou quarenta dias e quarenta noites para chegar à montanha de Deus. Preparando-se para cumprir sua missão entre os homens, Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites. Moisés havia feito o mesmo. Os povos antigos atribuíam ao número quarenta diversos significados. Um deles tem a importância especial para os cristãos: um tempo de intensa preparação aos acontecimentos mais importantes da História da Salvação.
A celebração da Quarta Feira de Cinzas abre oficialmente o tempo quaresmal iniciando uma caminhada espiritual inteiramente voltada para a Páscoa. É um tempo marcado pela oração, jejum e partilha (caridade, solidariedade) e não somente como uma prática religiosa a ser observada. Por iss,o estas realidades devem ser postas em prática o mais discretamente possível (Mt 6, 5-18 “quando jejuardes, não fiqueis de rosto triste como os hipócritas…”).
No início da Igreja, recebiam as cinzas somente quem tinha pecados graves, para que, no decorrer da Quaresma, pudessem fazer penitência, se arrepender e retornar ao convívio da comunidade cristã. A partir do século X, este costume se estendeu a todos os fiéis, marcando assim o início de uma longa caminhada de conversão e de retorno a Jesus Cristo. Para os cristãos, a celebração das cinzas é, sobretudo, um rito penitencial, cujo significado está impresso na própria frase dita por quem impõe as cinzas: “convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
A Igreja no Brasil pede, àqueles que são católicos, atenção especial à Campanha da Fraternidade, visando unir esforços para atingir metas prioritárias da Igreja e do mundo. O tema de 2025 é ‘Fraternidade e Ecologia Integral’, e o lema é: ‘Deus viu que tudo era muito bom!’ (cf. Gn 1,31). A reflexão deste ano nos ajuda a despertar para o valor e a beleza da natureza, cujo personagem principal é o próprio ser humano; é a ele que Deus deu a responsabilidade de cuidar da natureza como um todo. O próprio viver humano depende deste cuidado especial.
CELEBRAR A QUARESMA
Da Páscoa todos os dias nascem santos
A história mostra-nos a consciência das primeiras comunidades cristãs: do mistério da paixão, morte, ressurreição, ascensão ao céu do Senhor e do dom do Espírito, nasce a Igreja, primícia da nova humanidade, e inaugura-se um novo tempo, plasmado pela presença ativa do Espírito.
O Ano litúrgico encontra a sua fonte também no mistério pascal do Senhor: se quisermos compreender a Quaresma que estamos iniciando, devemos colocar a Páscoa do Senhor não só no final do caminho, mas também no seu início. É do mistério pascal, através do Espírito, que a Igreja recebe como dom a penitência jubilosa, o verdadeiro jejum e a oração confiante; intensifica a escuta da Palavra, porque reconhece nela a voz do Senhor ressuscitado, seu pastor; deseja converter-se para celebrar com espírito renovado e unir-se cada vez mais perfeitamente ao seu Senhor e oferecer-se ao Pai, no exercício da caridade.
Um caminho de divinização
Olhando para o mistério pascal, compreendemos que toda a economia da salvação se dirige para este dom, para esta vontade do Pai: “Por elas, foram-nos concedidas as maiores e mais valiosas promessas, a fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).
O amor de Deus dispôs para o ser humano um caminho de divinização. Deste modo, compreende-se o sentido último da humanidade, o fim para o qual foi criada: comunicar a vida de Deus.
O Verbo de Deus fez-se carne para fazer do ser humano participante da vida de Deus: neste sentido, toda a obra de salvação realizada por Cristo, como instrumento do Pai, é um dom e um caminho de divinização para o ser humano. Podemos dizer justamente que o mistério da nossa divinização é um mistério de cristificação: o caminho de conversão, típico da Quaresma, é o instrumento com o qual o Espírito plasma continuamente o ser humano à imagem de Jesus Cristo através dos sacramentos, que aparecem a esta luz como as forças que transformam o ser humano, unindo-o à humanidade divina de Cristo. Palavra feita humanidade. […] O espaço da divinização coincide, portanto, com o espaço sacramental da cristificação, ou seja, com a Igreja.
Esta conversão/divinização não é possível pelo esforço do homem, da mulher, mas pela possibilidade que Deus nos deu para acolher e participar da sua vida divina, formando a Igreja, Corpo de Cristo. Na Quaresma, o caminho é uma experiência do povo onde se interpenetram os caminhos pessoais e comunitários.
Nesta perspectiva, compreende-se a dupla finalidade da Quaresma, expressa também no seu desenvolvimento histórico: preparar aqueles que desejam receber o batismo e rejuvenescer e reavivar a fé dos batizados, dar vida nova aos batizados que foram vencidos pelo pecado.
Neste Ano jubilar, podemos recordar as palavras de São João Paulo II na Encíclica Tertio millennio adveniente, que preparou o Grande Jubileu do Ano 2000: “O compromisso de atualização sacramental […] poderá, ao longo do ano, valer-se da redescoberta do Batismo como fundamento da existência cristã” (n° 41).
Quaresma como exercício sacramental
Este caminho de divinização, no entanto, não pode acontecer sem nós; cada um está envolvido com a própria liberdade e com a inteligência da fé para participar na obra do Espírito. Por isso, a oração, na Quaresma, está imbuída do pedido de conversão.
Toda a Igreja sente-se envolvida nos “exercícios anuais do sacramento da Quaresma” (Primeiro Domingo da Quaresma, coleta), concebido como um tempo de salvação doada; uma antecipação da graça e alegria pascal como a aurora que recebe a luz do sol da ressurreição.
A Quaresma é um tempo de escuta mais frequente da Palavra de Deus, de oração e jejum mais intensos, para favorecer o encontro com Deus e uma relação íntima com Ele: “O Senhor te cobrirá com sua sombra, sob suas asas encontrarás abrigo” (Primeiro Domingo da Quaresma, Antífona da Comunhão). É também a ocasião através da qual a participação nos mistérios divinos alimenta ainda mais a fé, aumenta a esperança, fortalece a caridade e nos ensina a ter fome de Cristo, pão vivo e verdadeiro, e a alimentar-nos de toda a palavra que vem de Deus, “para que, pela digna celebração do mistério pascal, passemos, um dia, à Páscoa eterna” (I Domingo da Quaresma, Prefácio).
O Concílio Vaticano II recomenda que a penitência deste tempo “deve ser também externa e social, que não só interna e individual” (SC 110), para que do encontro pessoal com Deus e da conversão do coração floresçam as obras de caridade do Reino.
Neste tempo, os apelos do Santo Padre para que sejam colocados sinais de esperança durante o Jubileu encontrarão particular ressonância: compromisso pela paz, abertura à vida, unidade da Igreja, atenção para reavivar a esperança dos jovens, dos prisioneiros, dos doentes, dos migrantes, dos deslocados, dos exilados, dos refugiados, dos idosos, dos pobres (cfr. “Spes non confundit”, nn. 7-17).
Na dupla luz da Quaresma e do Jubileu, podem ser propostos também caminhos penitenciais que ajudam a redescobrir a dimensão eclesial do pecado e da conversão, favorecem as celebrações comunitárias do sacramento da Penitência e promovem a celebração comunitária da Liturgia das Horas como sinal do tempo santificado, da oração comum de toda a Igreja tornada participante da liturgia do céu e do seu ministério de intercessão em favor do mundo inteiro.
Desejo Santa e abençoada Quaresma a todos!