da Autobiografia de Santo Inácio de Loyola (Cf. 12-18)
Santo Inácio sempre nos surpreende e nos faz refletir. Ler sobre a sua vida, como Deus o conduzia e como ele se deixou conduzir é inspirador; aprende-se a sair das próprias ideias e dos próprios conceitos e abrir-se ao novo.
Após oito meses de convalescência na Casa Torre dos Loyola, razoavelmente recuperado, Inácio já conseguia rezar na Ermida Nossa Senhora de Olatz, no morro em frente à sua casa, quando decidiu partir, sem revelar a ninguém a sua intenção de ir para Jerusalém. Disse apenas que desejava se encontrar com o Vice-rei, o Duque de Nájera, a quem servira em Navarrete.
Um Loyola não deve peregrinar a pé
Seu irmão, Martín, tentou dissuadi-lo de viajar, sentindo que havia algo a mais nesta decisão de ir à Navarrete, mas Iñigo estava determinado a seguir seu caminho e queria ir a pé. Como ainda estava coxeando e a perna direita inchava muito, Martín insistiu que ele fosse montado em um burro e acompanhado por dois criados – não ficaria bem um Loyola ir a pé, ainda mais com a perna tão debilitada.
A contragosto, mas sabendo que a perna, de fato, ainda não suportava bem o peso do corpo, Inácio concordou e partiu montado em um burro, acompanhado por dois criados, no final de fevereiro de 1522. Um irmão o acompanhou também até Oñati, que fica a 30 km de Loyola.
De Oñati, Santo Inácio decidiu ir ao Santuário de Arantzazu, distante 10 Km, para fazer uma vigília – isto é, passar a noite em oração. Este local ainda abriga uma imagem de Nossa Senhora, que foi encontrada no meio de um espinheiro (arantza é um termo basco que significa espinhos). Ele, que já havia sentido asco de sua vida passada e decidido guarda-se por amor à Mãe de Deus, fez, nesta noite, voto de castidade.
Discernimento deixado ao burro
Prosseguiu no burro em direção a Barcelona, com o plano de passar antes em Montserrat, que fica a quase 500 km de distância. Neste local, um pastor encontrou uma imagem de Nossa Senhora e construiu uma Ermida, no ano 880 – por volta do ano mil foi fundado um Mosteiro, confiado a monges beneditinos, e é, até hoje, um Santuário que recebe muitos peregrinos.
Mas o fato, talvez, mais pitoresco, desse período, acontece antes de Inácio chegar à Montserrat.
Este coração, aceso por amor a Deus e a Nossa Senhora, encontrou um mouro pelo caminho. Os dois conversam um pouco e o mouro disse que não era possível se crer na virgindade de Maria. Santo Inácio argumentou, mas não conseguiu fazê-lo mudar de ideia. Ambos seguiram seus caminhos.
Inácio, inconformado por não ter dado suficientes razões, sentindo que A Virgem Maria fora insultada, desejava ir atrás do mouro e dar-lhe punhaladas. Pensou também que matar não era correto, não era o que Nosso Senhor ensinava. Sente grande dúvida e sem conseguir discernir o que fazer, encontrou uma saída para o seu dilema: uma bifurcação logo a frente na estrada! Para um lado ele iria para Montserrat, mantendo-se fiel ao mandamento, para o outro, partiria em busca do mouro. Por fim, Inácio soltou a rédea e deixou que o burro escolhesse o destino: o dele e o do mouro!
Felizmente o animal soube escolher!
Santo Inácio nos relata este episódio, antes dizendo que:
“…para que se entenda como Nosso Senhor dirigia esta alma que ainda estava cega, ainda que com grandes desejos de O servir […] não considerando já tanto satisfazer pelos seus pecados, mas para agradar a Deus […] não olhando a nenhuma coisa interior, nem sabendo o que era humildade, nem caridade, nem paciência, nem discrição para regular ou medir estas virtudes, senão toda a sua intenção era fazer grandes obras exteriores, porque os santos também as tinham feito para glória de Deus, sem olhar a qualquer outra circunstância.”
Ainda estava aprendendo a conhecer a Deus, a si próprio e a discernir. Nós também, às vezes, soltamos a rédea, deixamos que “o burro” decida!
Uma vida longa
Continuou, então, pela estrada real; fez uma parada em uma cidade antes de subir a montanha, para comprar as vestes de peregrino: tela áspera e farpada, para fazer uma túnica longa, uma cabacinha e um bordão. Comprou também alpargatas, mas uma só, para proteger o pé da perna que estava ainda enfaixada e inchava.
Vestido como peregrino penitente, como mendigo, dá suas vestes de cavaleiro a um pobre. Já o burro, doou aos monges.
Dizem que este burro viveu muito mais do que o esperado, ajudando por muitos anos no Mosteiro.
Começou a descer a montanha quando o alcançaram para saber se ele havia dado suas roupas a um pobre. Santo Inácio confirmou que as deu, e brotaram lágrimas de compaixão, pois percebeu que suspeitavam que o pobre as roubara.
O valoroso e derrotado cavaleiro tornava-se um peregrino, em busca de mais conhecer, amar e servir a Deus.
De Loyola a Manresa Santo Inácio fez um caminho geográfico e espiritual. Começou a aprender o que o movia interiormente, que sozinhos nem sempre encontramos as respostas e é bom partilhar, ter com quem falar das coisas espirituais. Santo Inácio estava iniciando sua peregrinação; iria aprender ainda mais sobre as moções, sobre discernimento e sobre a vontade de Deus. Sentiu compaixão do pobre, até as lágrimas – seu coração então “é de carne”, era mais parecido com o do próprio de Deus.