PARTE 3
O caminho da morte I
No silêncio e na solidão, Jesus inicia seu trajeto para a morte. Abandonado por todos, o Justo é preso e torturado. Quem antes o aplaudira, agora pede a sua morte, guiado por uma elite sacerdotal que, há muito, se havia separado de Deus e do povo, principalmente dos pobres e marginalizados. Para justificar seu afastamento, essa elite usa como justificativa dizer que os pobres e marginalizados eram pecadores, abandonados por Deus. Jesus é condenado porque ousou ir contra essa lógica.
Sozinho, ele está fazendo a vontade do Pai. Os amigos o abandonaram, um deles o traiu. É entregue ao poder estrangeiro. O justo caminha para a morte.
A cruz de Jesus não foi a primeira nem será a última da história. Ela é uma entre outras tantas. A diferença está em que Jesus assumiu a sua cruz para que outros não fossem crucificados. A sua crucifixão é uma esperança para todos os crucificados da história. Ela rompeu o véu do Templo. Todos podem entrar em contanto com Deus.
Hoje a pessoa cristã, fiel a Jesus, enfrenta poderes semelhantes. Líderes populistas que se apresentam como salvadores. Dividem a sociedade entre nós e eles, polarizando as posições. Para isso, mentem e enganam. Aliás, foi isso que os judeus fizeram. Com falsos testemunhos, desqualificaram a ação de Jesus. Se não o condenas, dizem a Pilatos, não é amigo de César.
É o reino e a hora dos autocratas do Século XXI1.
O caminho da morte II
Jesus se encontra com pessoas denunciando a iniquidade. É iníquo entregar o amigo; não escutar o que o outro tem a dizer, condenando-o de antemão; é iníqua a tortura que humilha a pessoa e viola a sua dignidade.
Hoje, a Paixão de Jesus continua na vida do povo pobre e explorado em todos os continentes. Frente a essa paixão, os discípulos devem continuar a denúncia de Jesus. Ele morreu para que se pudesse romper a cadeia da iniquidade.
O caminho da morte III
Jesus está sozinho. Todos o abandonam. Seu projeto necessita de ajuda, mas os três anos que os discípulos conviveram com Jesus não foram suficientes para afastar o medo. Frente à morte, trememos, fugimos. Como Pedro que, apavorado, nega Jesus três vezes. Depois, chora e se arrepende. Oxalá fizéssemos como Pedro e chorássemos nossa infidelidade.
Como ninguém estava com ele, só lhe restou tomar a sua cruz e dirigir-se ao lugar do sacrifício.
Açoitado, humilhado, desprezado. Algumas mulheres choram por ele. O Evangelho diz que sua mãe, Maria, vai consolá-lo e Verônica enxuga o sangue de seu rosto. Simão de Cirene é obrigado a ajudá-lo a levar a cruz. Alguém fora do grupo dos discípulos. Esses fugiram. Assim Jesus chega ao Calvário.
O caminho da morte IV
Jesus anuncia um Reino que não é desse mundo. Ele não reina à maneira dos homens, mas no serviço e no dom de si. Diante de Pilatos, diz que veio dar o testemunho da verdade. Não é compreendido nem aceito.
As pessoas falam que desejam a liberdade, mas quando encontram alguém realmente livre, elas o torturam e matam. Jesus é torturado. Assim é apresentado por Pilatos: Eis o homem! Que homem? Aquele que concentra em si toda a paixão humana. Ele é o protótipo do torturado, oprimido, marginalizado de toda a história humana. Ele deu a vida para a perseguição à verdade cessasse de vez na história.
A negação da vida e da missão de Jesus pelos sacerdotes implica em renúncia à identidade do Povo de Deus. Agora o seu rei é César. O rechaço ao pobre marginalizado ocasiona a perda da identidade do novo Povo de Deus, constituído pelo sangue de Jesus.
A realidade é que todos, em vários momentos da vida, traem, negam o abandonam o Cristo. São estados psicológicos nos quais se move a humanidade.
Jesus sofre e morre por solidariedade às pessoas, ao mundo. A sua paixão torna-se consequência de sua encarnação. Sua vida é profética e resume todas as suas opções, sendo o resultado de sua encarnação no meio dos pobres.
Ele é o homem que através dos tempos é preso, torturado, humilhado e condenado por causa da justiça. Ele deve morrer porque se fez Filho de Deus, gritam os sacerdotes. Aqui está o sinal de que a sua morte é política e religiosa. A pessoa deve morrer porque é filha de Deus.
Paixão de Cristo, Paixão do mundo2
Pilatos, muito embora convencido da inocência de Jesus, cuja morte era uma injustiça, colocado frente a seus interesses, preferiu eximir-se de tomar uma decisão conforme a justiça. Não poderia colocar em risco a sua situação em Roma. Entrega o justo à morte. Constante na história, transigir para não colocar em risco os próprios interesses.
Jesus, o Justo, morre só. Humanamente, fracassou. Tudo começara escondido; tudo acaba escondido. Quando nasceu, as pessoas que poderiam entender a importância do que estava acontecendo recusaram-se a aceitar os sinais. Fizeram mais: desde o início tentaram matá-lo. A grande maioria da população simplesmente não tomou conhecimento de seu nascimento. Somente os pastores, pobres e desprezados recebem o sinal e creem.
Na sua vida pública, curta e rápida, Jesus não logrou convencer o seu povo e a muito custo congregou doze amigos, um dos quais o entregou. Os demais fugiram quando de sua prisão. Assim como no nascimento, sua morte foi desconhecida. Um crucificado mais pelo poder romano.
Na cruz, entrega tudo. Por último entrega a mãe a João: eis aí a tua mãe; eis aí o teu filho. Ele morreu só. Morto, não representa mais perigo. Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito. Para Jesus, a morte foi um ato de fé no Pai, um gesto de confiança tanto na solução quanto na vontade do Pai.
1 Conceito esboçado por Moisés Naím em: La revancha de los poderosos. México: Penguin Random House, 2022.
2 Feliz expressão de Leonardo Boff.