Homilia anunciada em 07/02/04, em alusão ao Evangelho Lc 5,1-11.
É uma parábola. Quem não sabe que as águas são sempre um mistério da história, um mistério da vida? Que as águas fazem-se férteis, fazem-se mistério; que as águas podem dar alegria, descanso; que as águas, sempre as águas, estão carregadas de futuro? Delas vêm a vida, mas também muita morte.
Enfim, esse mistério das águas vem cercando todo o Evangelho. Jesus passa os seus anos de vida apostólica ali, ao lado do Lago, olhando, passeando, andando de barco. Hoje narra-se uma tempestade, outras vezes o barco é ameaçado pelas ondas.
Hoje vem a esterilidade, a não-vida, o vazio, a frustração – em linguagem moderna, a depressão. Trabalharam, trabalharam e nada. Passaram a noite toda e nada. É o fracasso. Quem é que não o teve em sua vida? É aquele momento em que nosso coração fica amargurado, vazio, triste e aí nós ficamos desnorteados.
Antigamente não havia outro recurso, a não ser as lágrimas, a tristeza. Hoje, não. Há uma química maravilhosa. Em qualquer esquina se encontra um psiquiatra que prescreve um remediozinho e aí a depressão desaparece. Mas no caso de Pedro, não. Houve uma Palavra. E qual foi essa Palavra? Fugir, escapar, esconder, ficar dentro de casa? Não! “Avançai para águas mais profundas”.
O que significa avançar para águas mais profundas? O Papa (*) tomou esta frase do Evangelho e transformou no grande slogan vocacional do ano das vocações leigas, religiosas e sacerdotais. Vocês que estão organizando a festa(**), que trabalham mais de perto na comunidade, sabem o que isso significa: avançai para águas mais profundas! Se fizemos alguma coisa, devemos fazer mais; se viemos até aqui, vamos avançar. Se a nossa paróquia chegou onde ela está, vamos ficar contentes? Não. “Avançai para águas mais profundas!” Porque este lema pertence ao núcleo da vocação cristã. É o nunca ficar
parado na margem.
Vocês não viram que Jesus entrou na barca e afastou-se? Os que ficam parados na margem não têm ousadia, não têm coragem, não têm utopia, não têm sonho, não têm futuro, não constroem. Vamos dar exemplo! Vamos nos afastar das margens, da margem da estabilidade, da parada, da acomodação, da terra firme, onde se pode ficar tranqüilo, sem esforço. Alguém precisa remar na terra? Pode ficar sentado, com seu cigarrinho, pode tomar sua cervejinha.
Mas Jesus nos desafia para o mar. Depois de uma noite, que eles tinham passado, toda ela sem pescar. Não faz mal. “Avançai para águas mais profundas”. Mas para quê? Por pura aventura, pelo risco? Não, nós não somos desses esportes perigosos, de pegar os carros a cento e vinte, duzentos quilômetros por hora. Não é o risco pelo risco.
Depois de avançar para águas mais profundas vem uma segunda frase: “Lançai as redes!”. Que é lançar? É uma metáfora: rede pesca, rede capta, rede recolhe. Nas águas de hoje tudo é puro lixo. Mas lá não. Lá estavam peixes e em tal abundância que as duas barcas ficaram abarrotadas. E quem são os peixes? As vocações? Talvez sim, mas eu diria mais. Peixe é tudo aquilo que na nossa vida tem um valor. Peixe é o símbolo da vida.
Primeiro, o peixe é o símbolo da Eucaristia. E é bom saber que a palavra peixe em grego, nas suas primeiras letras, significa Jesus Cristo, Filho de Deus. Por isso peixe significa a Eucaristia, porque é o símbolo do próprio Cristo. E onde vamos buscar Cristo nas horas duras, de tristeza, de abatimento, quando parece que estamos largados, desconhecidos, não ouvidos, isolados? As nossas redes às vezes não pescam os homens: estão viajando, estão longe, não têm celulares, não é possível falar com eles.
Aí eu lanço a rede para o Senhor. E é bom nunca esquecer: a primeira coisa que temos que pescar, o primeiro grande Peixe é o Cristo Salvador, é o Cristo Senhor. E muitas vezes vamos precisar desse Peixe, vamos precisar lançar nosso barco para frente. Lançai as redes para colher.
Mas o Senhor muitas vezes só se manifesta através das pessoas. Vamos pescar aquelas pessoas solícitas, disponíveis, aqueles que podem nos ajudar, que podem nos fazer crescer. E a nossa pesca será maravilhosa, será milagrosa. Amém.
(*) refere-se ao Papa João Paulo II
(**) alusão à festa da padroeira N.Sra. de Lourdes, em Vespasiano