"Quem quiser reformar o mundo comece por si mesmo."

Santo Inácio de Loyola

O pobre peregrino, parte II – os desafios da viagem

Segue “o pobre peregrino” a sua viagem; que decidiu fazê-la sozinho e na pobreza. Este elemento vai ajudar a amadurecer a sua confiança em Deus e na providência, o que lhe será de grande ajuda durante toda a sua vida. Desejava ser pobre e não se deter a nada nem a ninguém. A sua meta era ir a Jerusalém. Para conhecer a terra em que esteve Jesus, parecer com Ele e fazer aquilo que tantos outros desejavam naquele tempo: viver em Jerusalém. Assim conta sua autobiografia comentada por Pe. Maurizio Costa, SJ (AdP, Roma, 2010), que uso de guia para essa reflexão.

Quem não leu os textos anteriores, comece por aqui

O Pobre Peregrino, parte I


Inácio, tendo iniciado a sua peregrinação interior, segue fazendo o seu caminho exterior. A sua viagem não foi algo tão tranquilo. Foram onze meses de jornada entre o mar e a terra. Uma tempestade, durante a travessia até o porto de Gaeta (Itália), gerou medo nele e em todos os que estavam naquele barco. Um outro grande perigo foi a peste, que assolava tantas pessoas, chegando a impedir as andanças do peregrino por algumas cidades da Itália. Não bastasse, ele precisava mendigar para viver. Diante de tudo isso, só lhe resta exercitar, ainda mais, a confiança em Deus.

Defesa dos pobres e indefesos

Viajou, no mesmo barco até Gaeta (Itália), uma mãe e seus dois filhos. Um deles chamava mais a atenção por ser uma moça vestida como um rapaz. Um motivo seria evitar um possível abuso. Já em direção a Roma, abrigados em uma fazenda, a preocupação se mostrou verídica, como pontua Pe. Maurizio (168). Tarde da noite, a mãe com a sua filha vestida de menino, que foram colocadas para dormir no andar superior de uma casa, começaram a gritar. Inácio ouviu e percebeu que sofriam uma tentativa de violação por parte de alguns soldados – os mesmos que as acolheram. O que nos chama a atenção é a reação de Inácio, que recordou e percebeu que nele ainda haviam características do antigo Inácio, homem de batalhas, forte e decidido. Gritou com cólera e muita força em defesa daquelas mulheres. O ocorrido nos aponta, desde lá, como a defesa dos pobres e indefesos era algo muito claro em Inácio. O que marcará, futuramente, a vida dos primeiros jesuítas e de toda a Companhia de Jesus (MC 169).
A família segue a sua viagem e Inácio vai ficando pelo caminho.

Peregrino em construção

Com as dificuldades próprias de um pobre peregrino, seguia carregando os seus próprios limites. Caminhava em seu ritmo. Vale recordar que, há pouco tempo, havia sofrido em batalha, quando feriu fortemente a sua perna. Assim, consegue chegar a Roma dia 29 de março de 1523, um Domingo de Ramos.
Já no dia 31 de março, Inácio recebe, conforme o costume na época, um “passaporte” do Papa Adriano VI para ir à Terra Santa (MC 172) – uma permissão do Papa para tal viagem. Esse documento está arquivado até hoje no Vaticano. É possível encontrar também o pedido feito por Inácio ao Papa e a resposta recebida.
Inácio parte de Roma, 13 ou 14 de abril de 1523. Mais uma vez, segue o seu caminho sozinho. Carregava dentro de si uma certeza tão grande de que era em Jerusalém que estava o seu “futuro”, que ninguém o conseguia mover dessa ideia. Mesmo passando pela experiência da iluminação às margens do Rio Cardoner, em Manresa, e conseguindo ver em profundidade as coisas; Inácio seguia a sua intuição interior de ir à Terra Santa, revelando, com isso, o quanto era um peregrino em construção.
O que teria acontecido com ele se tivesse sido demovido da ideia de ir a Jerusalém? Como seria se ele tivesse ficado na Espanha, em Manresa ou em Barcelona? Inácio era muito mais que um “iluminado” capaz de adivinhar o futuro. Estamos diante da história de um homem que estava aberto à vontade de Deus em sua vida e em seu cotidiano. Inácio vai fazendo o seu caminho, descobrindo cada vez mais para onde Deus o conduzia, sem medo de errar, sozinho e sempre mendigando.

Só Deus por segurança

A sua decisão de ser um pobre peregrino o fez sentir escrúpulos em alguns momentos, por exemplo, quando saiu de Barcelona, deixou sobre um banco, próximo ao barco cinco ou seis moedas; ao sair de Veneza (Itália), em direção a Jerusalém, outra vez tinha recebido seis ou sete ducados, que levou consigo, por medo de não conseguir embarcar (MC 174). Surgindo uma crise interior, decidiu doar aos pobres e, assim, voltar a sentir só tinha Deus por segurança.
A pobreza era para Inácio sinônimo de liberdade. O para alguns parece um elemento simples e sem importância, não o era para ele. Lembremos o seu passado. Como Inácio desejava dele se afastar, pois colocava a sua segurança na força humana e no que a glória mundana poderia trazer-lhe. Agora tinha Deus por auxílio e não estava brincando. Levava muito a sério o cuidado com aquilo que poderia desvirtuar a sua reta intensão de ser um peregrino, abandonando qualquer imagem do que ele viveu e experimentou.
Como indiquei no primeiro texto desse caminho de conversão continuada, em memória dos 500 anos da peregrinação de Inácio à Terra Santa, convido você a dar mais um passo.

SEGUNDO PASSO: encontrar outros desafios da vida de Inácio

Buscar, encontrar, identificar e anotar, nas leituras elegidas a partir do texto anterior (Parte I), outros fatos da vida de Inácio nos quais ele passou por desafios. Uma vez identificados as suas dificuldades e os seus sofrimentos, na peregrinação existencial, poderemos também tirar frutos para a nossa vida pessoal. Afinal, todos nós peregrinamos. Ao mesmo tempo ou em fases e épocas distintas, estamos em busca da nossa terra santa.

“Inácio segue sendo este eterno homem em constante discernimento, sempre em marcha em busca da vontade daquele Deus que o guia sobre o caminho da história, seja através da graça e moções interiores, seja por meio das circunstâncias e pessoas em particular”.

A peregrinação vai constituindo, desde dentro, um homem forte e decidido a colocar em prática tudo o que sente mover em seu interior. Ele não perde o foco nem se deixa limitar pelas dificuldades. Passo a passo, buscando seu ritmo, segue a direção que poderia levá-lo a atender uma voz interior na qual ainda não tem noção completa do que viria a acontecer futuramente. Nós, no entanto, sabemos e sentimos os seus efeitos.