Chegamos a terceira e última parte de nossa caminhada para celebrar os 500 anos da peregrinação de Inácio à Terra Santa. Nesse texto, quero trazer a experiência de Inácio em sua peregrinação exterior e interior, será a sua chegada à Terra Santa e o período em que ele esteve em Jerusalém.
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Seguindo a narrativa da viagem, não conseguimos imaginar – sem ler alguns relatos de peregrinos daquele período – o que significava fazer essa travessia e como era a situação de Jerusalém no século XVI. A nossa tentação é sempre comparar com os dias atuais. O ambiente social e religioso é totalmente diferente.
O que de fato significava peregrinar à Terra Santa naquele tempo?
Conhecendo os desejos de Inácio e sabendo o quanto era decidido, ele faz essa viagem como “o pobre peregrino”. Segue o seu itinerário em pobreza e como mendigo. Pouco a pouco, o sonho vai se tornando realidade.
Em 25 de agosto, dia de grande alegria, avistaram a cidade de Jaffa, atualmente Tel-Aviv. O júbilo se apoderou de Inácio e de todos os peregrinos. E, conforme a tradição, entoaram o Te Deum e a Salve Regina (dê o play para escutar esses belos hinos).
Por questões de segurança, apenas no dia 31 de agosto conseguiram sair do barco e pisar em terra firme. A direção era Jerusalém. Seguiam a viagem em burricos. Receberam a orientação de preparar o coração e guardar um pouco de silêncio, pois estavam próximos da “Cidade Santa”.
O que pensara Inácio neste silêncio contemplativo, quando, pouco a pouco, a Cidade Santa aparecia para ele? Tal desejo ele carregava desde o seu leito, durante a sua convalescença, quando lia a Vida de Cristo e almejava fazer o que os grandes santos fizeram. Vale ressaltar o tempo em que permaneceu em Manresa, esperando o momento adequado para viajar sem ser reconhecido por seus conterrâneos, pois queria ser fiel ao propósito primeiro: seguir em pobreza.
Imagino Inácio examinando com cuidado aquela realidade que o esperava, a qual vivenciara o próprio Jesus. Ouvia, de longe, a voz do povo, seus cantos, lamentos, gritos… enquanto recordava tantos encontros de Jesus com o seu povo. Uns sofrendo, outros sorrindo, orando ou ainda vivendo a própria vida corriqueira, sempre à sombra do templo.
O silêncio continuava, todos os peregrinos traziam no peito o desejo de estar “mais perto” de Jesus e, assim, seguir os seus passos.
“… Pois daqui a pouco vamos chegar ao lugar onde se pode ver a cidade; seria bom que todos se preparassem em suas consciências e fossem em silêncio. Parecendo bem a todos, começou cada um a recolher-se. Pouco antes de chegar a um lugar onde se via, apearam, porque viram os frades com a Cruz a esperá-los. Vendo a cidade, o peregrino teve grande consolação. Segundo outros diziam, foi universal em todos. A mesma devoção sentiu sempre nas visitas dos lugares Santos” (Autobiografia 422, Ricardo Garcia-Villosalada, SJ. Loyola, p. 251) .
Ao lado de Jesus
Finalmente, no dia 04 de setembro de 1523, os peregrinos puderam entrar em Jerusalém, cheios de júbilo e emoção. Tocar aqueles lugares, sentir o cheiro das ruas, imaginar Cristo Jesus percorrendo as vilas daquela cidade, as ladeiras e, ao mesmo tempo, escutando a sua voz ecoando… Inácio seguia escutando o barulho dos cantos do Hosana e via os tecidos vermelhos estendidos nas casas, os ramos de oliveira no chão e a alegria do povo, como se estivesse com Jesus naquela entrada triunfal em Jerusalém. Ele sentia tudo dentro de si.
Era verdade, Inácio já estava em Jerusalém!
Hospedou-se primeiro no convento de Monte Sião, logo em seguida, todos foram levados ao Hospício de São João, onde era mais barato.
Os franciscanos eram os responsáveis por cuidar dos peregrinos. Santo Inácio sujeitou-se a todas as prescrições, sem a quebra na devoção pessoal. Vale salientar que era perigoso sair do grupo e ele obedeceu até o final.
Em carta escrita aos amigos que estavam em Barcelona, Inácio deixou claro a alegria profunda e a grande consolação que sentiu todo o tempo em que esteve na Cidade Santa, enquanto visitava os lugares onde esteve Jesus nosso Senhor.
O desejo de Inácio era permanecer naquela terra para ficar perto de Jesus e, ao mesmo tempo, servi-lo. Porém, o guardião da Terra Santa, o provincial dos franciscanos, que tinha a responsabilidade, diante da Santa Sé de Roma, de aprovar ou desaprovar a permanência de peregrinos naquela cidade, disse não a Inácio.
Santo Inácio insistia em demonstrar o desejo de ficar naquela cidade – por motivos que nós já sabemos e conhecemos – mas ele acolheu a orientação e obedeceu completamente, pois sentia que ali estava a vontade de Deus. Para além, ele corria o risco de ser excomungado caso desobedecesse.
Levado preso
Há um detalhe importante na estadia em Jerusalém: Inácio sabia que não podia sair sozinho. No entanto, certa vez, sentiu necessidade de voltar ao Monte das Oliveiras para rezar diante da pedra que, segundo diz a tradição, Jesus subiu aos céus. Inácio estava sozinho e os guardas não queriam permitir a sua entrada. Ele persistiu e convenceu o guarda, doando-lhe um pequeno canivete. Entrou e rezou piedosamente.
Depois de ir embora, surgiu um desejo forte de regressar àquele local, pois ficou em dúvida a respeito da posição dos pés direito e esquerdo de Nosso Senhor Jesus Cristo, marcados na pedra. Dessa vez, foi necessário entregar aos guardas uma pequena tesoura. Mais uma vez funcionou.
No mosteiro, deram-se conta de que Inácio não estava no grupo, para o desespero dos franciscanos. Pediram a um cristão da região para ir buscá-lo. Entretanto, para Inácio tudo era motivo de piedosa oração. Tendo sido encontrado por este cristão, foi trazido como preso até o mosteiro, o que lhe causou grande contentamento por se sentir como Jesus Cristo, humilhado, preso publicamente, levado como que arrastado naquelas ruas. Ele se sentia um servo infiel e gozava internamente por assemelhar-se ao Senhor, que pelas ruas de Jerusalém se deixou arrastar no dia da Sexta-feira Santa .
Imagino Inácio se deixando conduzir, com suas pobres sandálias e vestes, colocando-se no lugar de Nosso Senhor. Por um instante, “via” Jesus sendo humilhado, violentado e sentia em si essa humilhação. De certa forma, parecido mais e mais com Jesus. Era o que ele mais desejava, “sentir dor com Cristo doloroso, quebranto com Cristo quebrantado…” (EE 203). Inácio trazia em seu corpo vergonha e confusão, pois sabia o que Jesus havia passado (EE 193).
Te convido a contemplar esse momento, como sendo de grande consolação para “o pobre peregrino”, que esperou muito para estar no lugar onde viveu Jesus. Fez a travessia necessária, passando por situações difíceis e se deixando conduzir internamente. Sentia muita consolação em tudo o que experimentava, a proximidade com os “lugares de Jesus”, a identificação com a sua dor e o seu sofrimento e a sua intimidade com o Senhor. Cada pedra pisada, cada lágrima derramada… era como uma oração feita em silêncio.
Certamente, sua estadia na Terra Santa, foi de grande contribuição para que a vida de Inácio e a Companhia de Jesus mantivessem o cristocentrismo como característica forte na existência e missão.
TERCEIRO PASSO: Contemplar os Mistérios da Paixão de Cristo pelos EE
Tomar os Exercícios Espirituais, desde o Domingo de Ramos, no número 287, até os Mistérios da Cruz e em sua sepultura, no número 298. Essa deverá ser uma leitura orientada pelos Exercícios Espirituais. Os pontos para a oração de Inácio ajudarão a entrar na cena de maneira mais profunda, juntos com ele, naqueles “lugares santos”. É valioso deixar-se impactar pela contemplação dos Mistérios da Paixão de Cristo. Foi ali onde Jesus tudo passou e por amor. Contemple, assim, a sua peregrinação interior, o que se passa dentro de você, a terra santa da sua vida: lugar onde Jesus continua a pisar e a estar, continuamente.